STJ: cliente deve ser notificado quando advogado continua a representá-lo, mas deixa escritório contratado

Notícia publicada no site do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no dia 23 de abril de 2020 (leia aqui), referente ao REsp 1835973.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o escritório de advocacia tem a obrigação de notificar o cliente quando um advogado deixa a sociedade e passa a ser o único responsável por sua causa. Com esse entendimento, o colegiado negou provimento ao recurso de uma sociedade de advogados que pretendia ser excluída da condenação por danos que o ex-sócio causou ao cliente.

O recurso teve origem em cobrança ajuizada pelo cliente, após descobrir que o advogado que o representava em uma reclamação trabalhista, iniciada em 2005, sacou a quantia de pouco mais de R$ 591 mil devida a ele na ação, que foi julgada procedente em 2011. Ao consultar o andamento do processo na Justiça do Trabalho, em 2013, ele descobriu que o valor já havia sido recebido pelo advogado dois anos antes.

Questionado pelo cliente, o advogado pediu prazo para entregar o dinheiro e aplicou sobre o valor reclamado descontos relativos a tributos, honorários advocatícios e periciais, chegando ao montante de R$ 419.571,33 – pago em cheque. Quanto aos juros e à correção monetária, o advogado afirmou que o cliente só teria direito à correção de R$ 62.935,70, a ser paga em dez parcelas. Como foram pagas apenas cinco, o cliente ajuizou a cobrança.

Em primeiro grau, o advogado e o escritório foram condenados a pagar juros moratórios de 1% ao mês sobre o valor de R$ 419.571,33 desde 2011; R$ 31.476,85, relativos às parcelas de correção em aberto, acrescidos de atualização monetária e juros de 1% ao mês a contar da data em que deveria ter sido feito cada desembolso; multa de 10% sobre o valor não pago da correção; R$ 50 mil por danos morais e 20% de honorários de sucumbência sobre o valor atualizado da causa.

Representante exclu​​​sivo

Após terem o recurso negado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, os sócios do escritório que o advogado integrava recorreram ao STJ alegando ilegitimidade para responder à ação de cobrança. Sustentaram que, se há renúncia de mandato, mas subsiste um dos procuradores representando o cliente – como no caso –, não haveria necessidade de notificá-lo.

O relator do caso no STJ, ministro Villas Bôas Cueva, esclareceu que a situação é diversa daquela em que um ou mais advogados decidem sair de determinada sociedade, renunciando aos poderes recebidos nas causas sob patrocínio da banca. Nesses casos, se permanecem os demais membros da sociedade representando o cliente, não é necessário notificá-lo sobre a alteração, pois o escritório continua a prestar os serviços de advocacia contratados.

O ministro explicou que, no caso em análise, porém, a sociedade com a qual o cliente firmou contrato deixou de representá-lo, porque o sócio que saiu fez acordo para levar consigo sua carteira de clientes. Assim, o advogado que deixou a sociedade passou a representar com exclusividade o cliente, mas esse fato não lhe foi informado.

Direito con​​tratual

“É oportuno mencionar que, ao contratar uma sociedade de advogados, se as procurações são outorgadas individualmente aos causídicos, com a indicação da sociedade de que fazem parte (artigo 15, parágrafo 3º, da Lei 8.906/1994), como na hipótese dos autos, considera-se que o serviço tenha sido prestado pela sociedade”, disse o relator.

Para o ministro, o contrato de prestação de serviços firmado com a sociedade foi rescindido unilateralmente sem que o contratante tenha sido notificado de tal fato, o que desrespeitou norma geral do direito contratual. Ele lembrou que a procuração outorgada ao advogado fazia referência ao escritório, demonstrando que o profissional recebeu esses poderes na condição de membro da sociedade.

Villas Bôas Cueva apontou ainda que, nos autos da reclamação trabalhista, o escritório contratado e seus sócios renunciaram aos poderes outorgados, apresentando substabelecimento sem reserva de poderes “em favor do sócio retirante”, situação que, apesar da falta de rigor técnico, determinava a comprovação de que o cliente foi cientificado do fato para contratar um substituto, nos termos do artigo 45 do Código de Processo Civil de 1973.

Omiss​​​ão

Os sócios do escritório sustentaram que não participaram do acordo entre o cliente lesado e o advogado, motivo pelo qual não poderiam responder pelo seu descumprimento. No entanto, o relator lembrou que o cliente não ingressou com a ação para cobrar os valores estabelecidos no acordo, mas, sim, para receber o que lhe era devido na reclamação trabalhista.

Por fim, os sócios alegaram que não haveria nexo de causalidade entre seus atos e o resultado lesivo, sendo a responsabilidade pelo dano exclusiva do advogado. O ministro, porém, observou que o artigo 13 do Código de Ética e Disciplina da OAB dispõe que a renúncia ao patrocínio não exclui a responsabilidade pelos danos causados dolosa ou culposamente aos clientes ou a terceiros.

Para o relator, embora os sócios não tenham agido diretamente na retenção dos valores devidos, “é fato incontroverso que foram contratados para prestar serviços de advocacia ao cliente lesado, a quem devem responder pelos danos causados, já que se omitiram ao não o notificarem acerca da extinção do contrato”.