A jurisprudência: entre conhecer e se curvar a ela

É fato que a jurisprudência tem se fortalecido cada vez mais, enquanto a doutrina se enfraquece. Há várias causas dessa jurisprudencialização do Direito, especialmente na área criminal.
Inicialmente, observa-se que, cada vez mais, a produção editorial, que deve observar o aspecto comercial, dedica-se ao mundo dos concursos públicos. Trata-se de um fenômeno que tem o desiderato de satisfazer a pretensão de milhões de brasileiros que tentam ingressar no serviço público.

Assim, os livros de Direito passaram a seguir o modelo das bancas examinadores, que, por sua vez, preferem inserir questões que tratem da jurisprudência a questões que abordem a doutrina. Afinal, como regra, a jurisprudência tem menos divergências que a doutrina, razão pela qual os examinadores preferem questões que indaguem, por exemplo, sobre o entendimento do STF ou do STJ, evitando ou reduzindo as chances de anulação de questões.

Consequentemente, os Juízes, por se submeterem a esse modelo de avaliação e a esses materiais com foco jurisprudencial, também passam a valorizar a jurisprudência durante a atuação na Magistratura.

Além disso, a jurisprudência oferece teses menos complexas (e isso não é um elogio!). Enquanto a doutrina fundamenta um entendimento em inúmeras páginas (ou obras completas), a jurisprudência se desenvolve por meio de ementas, teses fixadas em recursos repetitivos (com poucas linhas) ou coisas parecidas.

Dessa forma, a jurisprudência se intensifica, suprimindo a doutrina e qualquer estudo alheio à pretensão de objetividade inerente aos julgados.

Portanto, é importante que saibamos o que a jurisprudência diz, haja vista que o trabalho do Advogado é buscar o melhor resultado possível. Entretanto, não devemos nos curvar a ela. Caso contrário, teremos um império de Juízes sem a devida valorização da doutrina.

Nesse ponto, não se deve pensar que uma tese doutrinária não pode compor uma peça processual somente porque há uma súmula ou algum entendimento aparentemente pacífico em sentido contrário.

Noutras palavras, precisamos diferenciar duas questões: conhecer a jurisprudência e se curvar a ela.
Ter ciência dos entendimentos jurisprudenciais é uma necessidade para antecipar estratégias e possíveis decisões. Sabendo qual é o entendimento dos Tribunais que poderão analisar o processo, é possível evitar surpresas.

Contudo, o fato de buscar o conhecimento acerca dos entendimentos jurisprudenciais não significa que o Advogado deve evitar críticas a tais entendimentos, tampouco que deve deixar de utilizar a doutrina em suas peças.

A súmula nº 231 do STJ, por exemplo, dispõe que “a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”. Apesar de ser um entendimento pacífico na jurisprudência, a defesa precisa questioná-lo, o que pode ser feito por meio da doutrina, diante do fato de que muitos autores defendem a possibilidade da redução abaixo do mínimo legal na segunda fase da dosimetria da pena.

Quem se curvar à jurisprudência contribuirá para a consolidação desses tempos sombrios, em que os direitos fundamentais são tão violados e as arbitrariedades/ilegalidades são mantidas pelos Tribunais.

Em suma, conhecer a jurisprudência é uma necessidade, inclusive para questioná-la. Entretanto, aceitar passivamente as teses fixadas pelos Tribunais é abandonar o jogo processual e tratar o contraditório como mera formalidade, porque “o Direito seria o que os Tribunais dizem que é”. Isso é inconcebível!