STJ: gravidade do dano em crime tributário depende da qualificação do crédito pela Fazenda

Notícia publicada no site do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no dia 12 de maio de 2020 (leia aqui), referente ao REsp 1849120.

Nas hipóteses de crimes tributários contra municípios ou estados, a configuração de grave dano à coletividade – prevista no artigo 12, inciso I, da Lei 8.137/1990 – depende da classificação do crédito, pela Fazenda Pública local, como prioritário, ou, ainda, que o crédito seja destacado como de grande devedor. Essa aferição deve levar em conta o valor total devido, incluídos os acréscimos legais.

A tese foi fixada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de votos. Como consequência, o colegiado afastou o agravamento da pena de um empresário de Santa Catarina pela caracterização de grave dano à sociedade. Com a redução da pena, o colegiado também decretou a prescrição da pretensão punitiva estatal.

Nos termos do artigo 12, inciso I, da Lei 8.137/1990, o grave dano à coletividade é circunstância que aumenta de um terço até a metade a pena por crime contra a ordem tributária.

Créditos i​​ndevidos

De acordo com o processo, o empresário teria escriturado documentos fiscais fraudulentos, que não correspondiam à efetiva entrada de mercadorias em seu estabelecimento. Com isso, ele teria se apropriado indevidamente de créditos de ICMS. O valor sonegado seria de cerca de R$ 200 mil – com juros e multa, o montante chegava a aproximadamente R$ 625 mil.

Em primeira instância, o juiz condenou o empresário a três anos e quatro meses de reclusão, em regime aberto, incluindo nesse total a elevação de um terço da pena pela configuração de grave dano à coletividade. A pena restritiva de liberdade foi substituída por duas restritivas de direito, entre elas o pagamento de 50 salários mínimos – valor posteriormente reduzido pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) para 20 salários mínimos.

Em relação à incidência da majorante do artigo 12, inciso I, da Lei 8.137/1990, o TJSC entendeu que o valor total sonegado era suficiente para caracterizar o grave dano social.

Prioridad​​​e da Fazenda

O relator do recurso especial do empresário, ministro Nefi Cordeiro, apontou que o grave dano à coletividade exige a ponderação de situação anormal, que justifique a determinação de agravamento da sanção criminal. No caso de tributos federais, o ministro considerou razoável a adoção do patamar de R$ 1 milhão em débitos, nos termos do artigo 14 da Portaria 320/2008 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – que considera essa referência para a definição de devedores cujos processos terão tratamento prioritário por parte dos procuradores.

“Esse patamar, que administrativamente já indica especial atenção a grandes devedores, é razoável para determinar a incidência de desvalor penal também especial. Claro que esse delimitador, como demonstrador do especial interesse tributário federal, será também na esfera criminal reservado como critério à sonegação de tributos da União”, afirmou o relator.

Em se tratando de tributos estaduais ou municipais, Nefi Cordeiro disse que, por equivalência, o critério para caracterização do grave dano à coletividade deve ser aquele definido como prioritário pela Fazenda local.

Abaixo do lim​​ite

A Terceira Seção, acompanhando o voto do relator, definiu também que – a despeito de haver precedente em sentido contrário – o valor considerado para a aferição do grave dano à coletividade deve ser a soma dos tributos sonegados com os juros, as multas e outros acréscimos legais.

No caso dos autos, relativo à sonegação de ICMS em Santa Catarina, Nefi Cordeiro ressaltou que a legislação local não prevê prioridade de créditos, mas define como grande devedor o sujeito passivo cuja soma dos débitos seja igual ou superior a R$ 1 milhão.

“Na espécie, o valor sonegado relativo a ICMS – R$ 207.011,50 – alcança o valor de R$ 625.464,67 com multa e juros, o que não atinge o patamar diferenciado de dívida tributária acolhido pela Fazenda estadual catarinense e, assim, não se torna, tampouco, apto a caracterizar o grave dano à coletividade do artigo 12, I, da Lei 8.137/1990”, concluiu o ministro ao dar provimento ao recurso especial do empresário.

Leia o acórdão.