9 teses do STJ sobre contrabando e descaminho

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou a edição nº 81 da Jurisprudência em Teses, com 14 entendimentos do Tribunal da Cidadania sobre os crimes contra a Administração Pública.

Neste texto, cito e comento 9 teses que fazem parte dessa publicação e tratam dos crimes de contrabando e descaminho. Em outro texto, analisarei as 5 teses restantes, que se referem ao crime de sonegação de contribuição previdenciária.

1) A competência para o processo e julgamento por crime de contrabando ou descaminho define-se pela prevenção do juízo federal do lugar da apreensão dos bens (Súmula n. 151/STJ) (HC 318590/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, Julgado em 10/03/2016, DJE 16/03/2016).

COMENTÁRIO: trata-se do teor da súmula 151 do STJ.

Normalmente, a jurisprudência invoca o art. 78, II, “c”, do Código de Processo Penal, para definir a competência por prevenção no caso supracitado. Entrementes, insta salientar que tal dispositivo legal refere-se apenas aos casos de conexão ou continência, conforme o “caput”, o que, via de regra, não é o caso.

Na verdade, o fundamento dessa competência é o art. 83 do Código de Processo Penal.

Ademais, caso a apreensão ocorra em um lugar como decorrência de decisão judicial em processo que tramita em outra Seção Judiciária, a competência é desta, e não daquele, sendo inaplicável a súmula 151 do STJ, conforme decidido pelo STJ no HC 318.590. Neste julgamento, a apreensão das mercadorias ocorreu no Rio Grande do Sul como decorrência de decisão judicial proferida em processo que tramitava na Justiça Federal de São Paulo, razão pela qual o STJ reconheceu a competência desta.

2) Configura crime de contrabando (art. 334-A, CP) a importação não autorizada de arma de pressão por ação de gás comprimido ou por ação de mola, independentemente do calibre (AgRg no REsp 1479836/RS, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, Julgado em 18/08/2016, DJE 24/08/2016).

COMENTÁRIO: a jurisprudência do STJ tem reconhecido a inaplicabilidade do princípio de insignificância em caso de importação não autorizada de arma de pressão. Para o STJ, o contrabando não protege apenas bem jurídico patrimonial, mas também a segurança e a saúde pública.

3) A importação não autorizada de cigarros ou de gasolina constitui crime de contrabando, insuscetível de aplicação do princípio da insignificância (RHC 071203/RS, Rel. Ministro Reynaldo Soares Da Fonseca, Quinta Turma, Julgado em 22/11/2016, DJE 02/12/2016).

COMENTÁRIO: neste entendimento, reitera-se o fundamento utilizado na tese nº 2.

4) A importação clandestina de medicamentos configura crime de contrabando, aplicando-se, excepcionalmente, o princípio da insignificância aos casos de importação não autorizada de pequena quantidade para uso próprio (AgRg no REsp 1572314/RS, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, Julgado em 02/02/2017, DJE 10/02/2017).

COMENTÁRIO: de forma excepcional, o STJ admite a aplicação do princípio da insignificância ao contrabando quando se trata de importação não autorizada de pequena quantidade para uso próprio, adicionando como fundamento o princípio da proporcionalidade.

Assim, se o medicamento importado se destina a uso próprio e não é capaz de causar lesividade suficiente aos bens jurídicos tutelados, é proporcional reconhecer a atipicidade da conduta.

5) Para a caracterização do delito de contrabando de máquinas programadas para exploração de jogos de azar, é necessária a demonstração de fortes indícios (e/ou provas) da origem estrangeira das máquinas ou dos seus componentes eletrônicos e a entrada, ilegalmente, desses equipamentos no país (CC 150310/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, Julgado em 08/02/2017, DJE 13/02/2017).

COMENTÁRIO: esse tema tem relação com a Justiça competente para o julgamento, considerando que o contrabando seria de competência da Justiça Federal, ao contrário da contravenção penal referente à exploração de jogos de azar, que é da Justiça Estadual. Sobre esse assunto, indico ao leitor um artigo que escrevi sobre o conflito de competência entre a Justiça Federal e a Justiça Estadual (leia aqui).

6) É desnecessária a constituição definitiva do crédito tributário na esfera administrativa para a configuração dos crimes de contrabando e de descaminho (RHC 47893/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, Julgado em 14/02/2017, DJE 17/02/2017).

COMENTÁRIO: o STJ entende que os crimes de contrabando e de descaminho não são materiais, mas sim formais, de maneira que é prescindível o exaurimento da esfera administrativa com o lançamento do débito fiscal como condição para a persecução penal.

Nesse diapasão, o crime de descaminho, por exemplo, consuma-se com o não pagamento do imposto devido em razão da entrada da mercadoria no país.

Portanto, a jurisprudência exige a prévia constituição definitiva do crédito tributário para o início da ação penal apenas em relação aos crimes materiais, previstos no art. 1º, I a IV, da Lei nº 8.137/1990.

7) Aplica-se o princípio da insignificância ao crime de descaminho (art. 334, CP) quando o valor do débito tributário não ultrapasse o limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, ressalvados os casos de habitualidade delitiva (AgRg no REsp 1538629/RS, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, Julgado em 21/03/2017, DJE 27/03/2017).

COMENTÁRIO: ao contrário do contrabando, em relação ao qual, como regra, a jurisprudência não aplica o princípio da insignificância, é admitido jurisprudencialmente o reconhecimento do crime de bagatela em relação ao crime de descaminho, com exceção dos casos de habitualidade delitiva.

8) O pagamento ou o parcelamento dos débitos tributários não extingue a punibilidade do crime de descaminho, tendo em vista a natureza formal do delito (HC 271650/PE, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, Julgado em 03/03/2016, DJE 09/03/2016).

COMENTÁRIO: Na linha da tese nº 6, que considera prescindível a constituição definitiva do crédito tributário, essa tese também afasta uma possibilidade prevista para os crimes tributários materiais. O posicionamento é criticável, pois trata de forma diferente os autores de crimes que, em ambos os casos, deixaram de pagar tributos.

9) Quando o falso se exaure no descaminho, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido, como crime-fim, condição que não se altera por ser menor a pena a este cominada. (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/73  TEMA 933) (AgRg no REsp 1347057/PR, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, Julgado em 16/08/2016, DJE 24/08/2016).

COMENTÁRIO: de forma semelhante ao disposto na súmula 17 do STJ, que se refere ao crime de estelionato, reconheceu-se que é aplicável o princípio da consunção em relação à falsidade e ao descaminho, desde que aquela tenha sido praticada para a execução deste.