A jurisprudência do STJ sobre o crime de desobediência

Antes de apreciar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), demonstrarei as inúmeras possibilidades de elaboração de teses e estratégias defensivas em relação ao crime de desobediência.

Esse crime está previsto no art. 330 do Código Penal da seguinte forma: “desobedecer a ordem legal de funcionário público”.

Apesar das poucas palavras que integram esse dispositivo legal, o tipo penal do crime de desobediência possui elementos que permitem inúmeros questionamentos pela defesa.

Nesse diapasão, o núcleo desse crime é o verbo “desobedecer”, que, evidentemente, não é “obedecer com atraso”, “demorar para obedecer” ou “cumprir de forma distinta”.

Desobedecer pressupõe um definitivo descumprimento da ordem legal. Não há desobediência quando, por outro meio de execução do ato, chega-se ao cumprimento da ordem legal. Ademais, retardar o cumprimento também não consiste em desobediência.

No que concerne ao elemento “ordem legal”, deve-se destacar que, como tese defensiva, é imprescindível avaliar se a denúncia menciona o fundamento legal da ordem descumprida. Caso se trate de mera ordem convencional, regulamentar ou que, de qualquer forma, não tenha natureza legal, o fato é atípico. Além disso, se a denúncia não narra especificamente o fundamento legal da ordem descumprida, há nítida inépcia da denúncia, devendo esta ser rejeitada, forte no art. 395, I, do Código de Processo Penal.

Por fim, outro elemento que deve ser analisado detidamente pela defesa é a expressão “funcionário público”, avaliando se o indivíduo de quem emanou a ordem descumprida se insere em alguma das categorias descritas no art. 327 do Código Penal.

Vamos aos julgados do STJ relacionados ao crime de desobediência.

Um dos entendimentos de maior incidência prática é o relacionado ao descumprimento de medida protetiva da Lei Maria da Penha:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA. LEI MARIA DA PENHA. POSSIBILIDADE DE PRISÃO PREVENTIVA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA.
[…]
2. Na espécie, o descumprimento de medida protetiva, no âmbito da Lei Maria da Penha, não enseja o delito de desobediência, porquanto, além de não existir cominação legal a respeito do crime do artigo 330 do Código Penal, há previsão expressa, no Código de Processo Penal, de prisão preventiva, caso a medida judicial não seja cumprida.
[…]
(HC 394.567/SC, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 09/05/2017, DJe 15/05/2017)

Em outros termos, o descumprimento da medida protetiva já tem uma consequência legalmente prevista – prisão preventiva –, inexistindo disposição que comine cumulativamente a responsabilização pelo crime de desobediência.

Esse, aliás, é o mesmo entendimento adotado em relação ao descumprimento de ordem de parada emanada de agente de trânsito, “in verbis”:

[…] havendo previsão, na seara administrativa, para a conduta do cidadão que não obedece à ordem de parada do agente de trânsito, gênero do qual é espécie o policial rodoviário federal, e não sendo cumulada a possibilidade da infração administrativa com a de natureza penal, não há que se falar na tipificação do delito descrito no art. 330 do CP.
(HC 348.265/SC, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/08/2016, DJe 26/08/2016)

No que tange ao descumprimento da ordem de parada, o art. 195 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) já prevê uma sanção administrativa, inexistindo previsão, neste ou em outro diploma legal, de cumulação com a responsabilização criminal.

Noutras palavras, “o crime de desobediência é subsidiário e somente se caracteriza nos casos em que o descumprimento da ordem emitida pela autoridade não é objeto de sanção administrativa, civil ou processual” (STJ, AgRg no AREsp 699.637/SP).