Aberratio ictus e princípio da proporcionalidade

O erro na execução (“aberratio ictus”) está previsto no art. 73 do Código Penal:

Art. 73 – Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código.

É importante esclarecer que o erro na execução não pode ser confundido com o erro sobre a pessoa (art. 20, §3º, CP).

No erro sobre a pessoa, o agente incorre em equívoco no diz respeito à identidade da vítima. No erro na execução, o agente não tem dúvida sobre a vítima, mas erra na execução do delito, atingindo pessoa diferente daquela que pretendia.

Segundo Greco (2016):

Fala-se em aberratio ictus quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa. Aqui, aplica-se a regra do § 3n do art. 20 do Código Penal, relativa ao erro sobre a pessoa, respondendo como se tivesse atingido a vítima que pretendia ofender. No caso de também ser atingida a pessoa que o agente pretendia, será aplicada a regra relativa ao concurso formal de crimes (art. 70 do CP). Na aberratio ictus, o erro ocorre de pessoa para pessoa.

A semelhança entre os dois erros está na forma como a pena se aplica, ou seja, em ambos os crimes, o agente responde como se tivesse acertado a vítima pretendida (e não a “real” vítima).

A parte final do art. 20, §3º, do CP, menciona que “não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.”

Trata-se de uma desconsideração da realidade, com consequente valoração da conduta em relação a uma vítima fictícia. Nesse diapasão, pode significar uma ofensa ao princípio da proporcionalidade.

Explico: o art. 61, II, “e”, do Código Penal, prevê como agravante o crime praticado contra ascendente. Se considerarmos a regra aplicável ao erro na execução, caso um agente pretenda praticar determinado crime contra seu ascendente, mas, na execução, atinge pessoa diversa, terá a sua pena agravada. Noutras palavras, o crime praticado contra um estranho – como decorrência do erro na execução – terá a agravante consistente na prática de um crime contra ascendente.

A situação pode ficar ainda mais gravosa e desproporcional. Imaginemos, por exemplo, que determinada pessoa queira cometer um homicídio contra seu ascendente, mas, por erro na execução, atinge outra pessoa. Nesse caso, sua pena terá a agravante do crime cometido contra ascendente, haja vista que responderá como se tivesse atingido a pessoa que pretendia matar. E se, algum tempo depois, realmente matar seu ascendente? Será condenado por homicídio com a agravante do crime praticado contra ascendente, mesmo já tendo sido aplicada essa agravante em uma situação anterior, na qual ocorreu o erro na execução? Haveria “bis in idem” nesse caso? São questões que a legislação não explica, tampouco há um debate significativo na jurisprudência.

Nos casos em que a conduta atinge a vítima pretendida e um terceiro, o autor do delito responderá, em relação ao resultado contra o terceiro, a título de dolo eventual ou culpa, pois não pretendia o resultado produzido – inexistindo dolo direto –, conforme entendimento do TJ/RS:

[…] Tratando-se de erro na execução, a única hipótese em que, atingida a pessoa não visada, subsiste, relativamente ao fato em face desta praticado, o dolo direto na conduta observada pelo agente é aquela em que a pessoa visada não é atingida. Contudo, atingidos, tanto a pessoa visada, com terceiro que não pretendia o agente atingir, com relação a esse, o crime somente pode ser imputado a título de dolo eventual ou culpa, porquanto o resultado havido não era pretendido pelo autor da infração que assumiu o risco de produzi-lo ou deixou de observar dever de cuidado. Oportuno salientar, no particular, que a regra posta no art. 73 do Código Penal não guarda relação com a tipicidade do fato, senão que com o concurso de crimes, dispondo, tão-somente, que, ocorridos dois resultados, está-se diante de concurso formal de infrações. […] (TJ/RS, Primeiro Grupo de Câmaras Criminais, Embargos Infringentes e de Nulidade Nº 70075287540, Rel. Honório Gonçalves da Silva Neto, julgado em 03/11/2017)

Referência:

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2016.