Comentários à Lei nº 13.344/16 (tráfico de pessoas)

Foi publicada no dia 7 de outubro de 2016 a Lei nº 13.344/16, que trata dos crimes de tráfico interno e internacional de pessoas.

Além de questões gerais e propedêuticas (princípios, forma de prevenção etc.), essa lei também tem importantes dispositivos penais e processuais.

Logo no art. 1º, a sobredita Lei estabelece a sua aplicação para o tráfico de pessoas cometido no território nacional contra vítima brasileira ou estrangeira e no exterior contra vítima brasileira. Portanto, não dispõe ser aplicável ao tráfico de pessoas cometido no exterior contra vítima estrangeira.

Outro ponto interessante e com enorme efeito prático está no art. 3º, VIII, quando aponta como diretriz do enfrentamento ao tráfico de pessoas a preservação do sigilo dos procedimentos administrativos e judiciais, nos termos da lei.

Em seu art. 5º, esse diploma legal prevê que a repressão ao tráfico de pessoas ocorrerá por meio da cooperação entre órgãos do sistema de justiça e segurança, nacionais e estrangeiros; da integração de políticas e ações de repressão aos crimes correlatos e da responsabilização dos dos seus autores; e da formação de equipes conjuntas de investigação.

Um dos aspectos mais significativos da nova Lei é a previsão no seu art. 6º de várias formas de proteção e atendimento, de forma semelhante à Lei Maria da Penha. Destaca-se, por exemplo, o atendimento humanizado, assim como as várias formas de assistência (jurídica, social, de trabalho e emprego e de saúde).

No que concerne às disposições processuais alteradas pela nova Lei, o art. 8º possibilita que o juiz, inclusive de ofício, determine medidas assecuratórias relacionadas a bens, direitos ou valores pertencentes ao investigado ou acusado, que sejam instrumento, produto ou proveito do crime de tráfico de pessoas.

Da mesma forma, a referida Lei acresce ao Código de Processo Penal os arts. 13-A e 13-B, que permitem, em linhas gerais, que o Ministério Público e o delegado de polícia requisitem dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos. Também nessa linha, o art. 13-B do CPP, inovação desta Lei, possibilita que o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia requisitem, mediante autorização judicial, às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso.

No aspecto da execução penal, essa Lei altera o art. 83, V, do Código Penal, para exigir do condenado pelo crime de tráfico de pessoas o cumprimento de 2/3 da pena para que possa obter o livramento condicional. Assim, o tráfico de pessoas, sem ser um crime hediondo ou equiparado a hediondo, passa a exigir essa fração superior, da mesma forma que os crimes hediondos, de tráfico de drogas, de terrorismo e de tortura.

Por derradeiro, a mencionada Lei acresce ao Código Penal o tipo penal previsto no art. 149-A, “in verbis”:

Art. 149-A.  Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de:

I – remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;

II – submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;

III – submetê-la a qualquer tipo de servidão;

IV – adoção ilegal; ou

V – exploração sexual.

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 1º A pena é aumentada de um terço até a metade se:

I – o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las;

II – o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência;

III – o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função; ou

IV – a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional.

§ 2º A pena é reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não integrar organização criminosa.

Algumas observações sobre esse tipo penal:

– O “caput” do art. 149-A do Código Penal prevê 8 núcleos (agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher), sendo um tipo misto alternativo, o que significa que a prática de qualquer um desses verbos configura crime, de modo que, se praticados dois ou mais verbos no mesmo contexto fático, haverá crime único.

– Os cinco incisos previstos no art. 149-A são elementos do tipo penal, tratando-se de finalidade especial ou dolo específico. Portanto, somente haverá consumação do crime de tráfico de pessoas se o agente tiver alguma das finalidades legalmente previstas, independentemente de conseguir concretizá-las.

– As formas de execução do crime de tráfico de pessoas são taxativas, quais sejam: grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso.

Por fim, os arts. 231 e 231-A do Código Penal, que preveem, respectivamente, os crimes de tráfico internacional e interno de pessoa para o fim de exploração sexual, serão revogados pela nova Lei.

Impende asseverar que o art. 231, §2º, IV, bem como o art. 231-A, §2º, IV, ambos do Código Penal, em vigor durante o período de “vacatio legis” da Lei sobre o tráfico de pessoas, preveem como causas de aumento de pena o emprego de violência, a grave ameaça e a fraude, que, como destacado anteriormente, passam a ser elementos do tipo penal de tráfico de pessoas. Em outras palavras, esses três meios de execução, que antes eram causas de aumento, passarão a integrar o próprio tipo penal.

Destarte, houve um enfraquecimento punitivo, haja vista que, se as condutas descritas no art. 149-A do Código Penal não forem executadas mediante uma das formas previstas no tipo penal (grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso), o fato será atípico.

Se houve um enfraquecimento no que tange à tipicidade, o contrário ocorreu em relação ao preceito secundário (pena). Na sua modalidade simples e sem considerar as causas de aumento de pena, o tráfico internacional previsto no art. 231 do Código Penal cominava uma pena de 3 a 8 anos de reclusão, enquanto o tráfico interno (art. 231-A) estabelecia uma pena de 2 a 6 anos de reclusão. O tráfico de pessoas, que após o período de “vacatio legis” ocupará o art. 149-A do Código Penal, prevê pena de 4 a 8 anos de reclusão.

Uma curiosidade sobre o novo tipo penal é a opção do legislador de não incluí-lo no rol de crimes hediondos, o que ensejaria inúmeros efeitos, como a alteração da fração para progressão de regime e a prioridade de tramitação. A opção legislativa restringiu-se a aplicar ao tráfico de pessoas a exigência do cumprimento de 2/3 da pena para o livramento condicional.

A Lei nº 13.344/16 terá “vacatio legis” de 45 dias.