A dignidade da pessoa presa

Analisemos a dignidade da pessoa presa.

Historicamente, a dignidade da pessoa humana recebeu a merecida atenção apenas a partir do cenário posterior às atrocidades do período nacional-socialista na Alemanha, que resultou na Segunda Guerra Mundial e no holocausto provocado por nazistas e fascistas. Contudo, o estudo dos atributos intrínsecos da pessoa humana remonta à antiguidade. Além disso, teólogos e filósofos se preocuparam ao longo da história em desvendar os predicados diferenciadores da pessoa humana em relação aos outros seres vivos, tornando-a merecedora de especial respeito (CORDEIRO, 2012, p. 62).

Com precisão, assevera Taureck (2007, p. 122) que a história do uso da expressão “dignidade” (no grego “axía” e do latim “dignitas”) é muito conhecida, mas para sua valorização falta provavelmente algo decisivo. No pensamento antigo, por exemplo, a “dignidade” consistia na reputação do ser humano livre, que não significava, entretanto, uma característica aplicável a todos os indivíduos, mas sim àqueles que não eram escravos e que, portanto, tinham direito à propriedade privada. Nesse diapasão, a liberdade era um sinal que diferenciava e separava os seres humanos, de modo que alguns homens poderiam ser usados como animais domésticos. Atualmente, é difícil compreender este significado de liberdade, haja vista que se conhece a liberdade como contraposta à opressão e, logicamente, não como escravidão no sentido de os humanos poderem ser usados como animais. Destarte, é nítido que “dignidade” ligava-se completamente à posição da liberdade como um status social privilegiado. Em outras palavras, possuía dignidade humana somente aquele ser humano que não poderia ser usado. Uma dignidade assim compreendida era incompatível com a igualdade.

Ainda nessa necessária abordagem da evolução histórica, o humanismo renascentista permitiu a progressiva superação da concepção de dignidade relacionada estritamente à posição social, surgindo uma dignidade própria e autônoma, oriunda da própria condição humana (CORDEIRO, 2012, p. 62).

Mesmo como fruto desse avanço histórico e de conquistas seculares, não é possível um conceito definitivo sobre a dignidade da pessoa humana. Um conceito nunca será definitivo, razão pela qual deve ser observado pela sua função, e não pelo seu conteúdo.

Cita-se, à guiza de exemplo, a análise realizada por Taureck (2007, p. 59):

O que significa dignidade? ‘Dignidade’ é, antes de tudo, uma abreviação. Em uma formulação mais ampliada significa: alguém considera o respeito um valor. Um juiz, por exemplo, tem sempre se dedicado corretamente na condução de processos. Logo, ele merece nosso respeito. Um professor tem sempre se preocupado com avaliações justas. Logo, ele merece nosso respeito. Uma mãe sempre se preocupou com o bem de seus filhos. Logo, ela merece nosso respeito.

A análise conceitual da dignidade da pessoa humana não pode ser obtida como algo dado, mas sim construído – principalmente por meio da historicidade –, evitando conceitos simplistas e que não abranjam todos os elementos que permeiam a expressão. Deve-se evitar a dignidade como um dogma autossustentável e que, por si só, conceitua-se. Da mesma forma, não deve ser concebida pela sua essência, pois a interpretação em tais moldes seria, claramente, uma análise direta entre sujeito e objeto, desconsiderando as contribuições da Reviravolta Linguística.

Por muito tempo, deixou-se enganar e iludir. Considerou-se a dignidade a mera grandeza de um consentimento, que nada se difere de exclamações como “hummmm” ou “uau”. Com isto, alimentou-se a ilusão metafísica de aproximação com a eternidade, não se estando pronto ou capaz para explicar o que realmente se quer dizer. Trazia-se apenas um romantismo social no coração, de acordo com o qual se podia ser convencido sobre o que realmente se quer e o que na verdade dever-se-ia fazer (TAURECK, 2007, p. 75).

No que concerne aos indivíduos presos, sabe-se que essas pessoas – sim, continuam sendo pessoas – mantêm todos os seus direitos não atingidos pela privação de liberdade.

O problema é que, na atualidade, tem-se construído um conceito de dignidade da pessoa presa como se não se tratasse de um ser humano, mas mero objeto no qual o Estado e a sociedade poderiam descontar suas frustrações. A ideia de que a dignidade é considerar o respeito como um valor desfaz-se rapidamente quando pensamos no descaso estatal em relação ao sistema penitenciário.

A desorganização do sistema prisional (leia aqui) e o tratamento da Lei de Execução Penal como mera “tabela FIPE” (leia aqui) fazem com que surja uma dúvida pertinente quanto ao tratamento que o Brasil dispensa aos presos: a dignidade da pessoa humana é menos respeitável no caso das pessoas presas ou estas nem seriam pessoas para o Estado? Seria dizer: todas as pessoas merecem o respeito à dignidade, mas o preso perde parcialmente – e temporariamente – o seu status de pessoa?

Analisando a atual situação carcerária, parece que, infelizmente, essa é a conclusão estatal. Enquanto perdurar essa triste realidade, a Advocacia Criminal continuará lutando para que todos, presos ou soltos, tenham dignidade, como determina a nossa Constituição Federal.

REFERÊNCIAS:

CORDEIRO, Karine da Silva. Direitos fundamentais sociais: dignidade da pessoa humana e mínimo existencial, o papel do poder judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.

TAURECK, Bernhard H. F. A dignidade humana na era da sua supressão: um escrito polêmico. Trad. Antonio Sidekum. São Leopoldo: Nova Harmonia, 2007.