O fracasso da prisão: a privação da liberdade como o mínimo

A prisão, em qualquer uma das suas modalidades (provisória ou definitiva), pressupõe a sua necessidade. No caso da prisão provisória, uma necessidade analisada pelo Judiciário. Quanto à prisão decorrente da imposição de uma pena, deveria pressupor uma necessidade filtrada pelo Poder Legislativo, ou seja, sua imposição decorreria apenas de casos realmente necessários, cabendo aos outros a imposição de medidas alternativas legalmente previstas.

A prisão é a não liberdade. E, negativamente, deveria ser apenas isso. Nada mais do que isso.

Em qualquer uma das suas finalidades, a prisão deveria atingir o preso apenas na esfera do seu direito de ir e vir.

Para a função ressocializadora, seria uma forma de preparar a sua reinserção na sociedade, por meio de políticas carcerárias de trabalho e educação. A privação da liberdade com o desiderato de ressocializar o apenado teria como objetivo mantê-lo em um ambiente que desenvolva as suas aptidões sociais.

No que concerne à função retributiva, haveria a racionalização da retribuição àquele que comete uma infração penal. Em outras palavras, evitar-se-ia a barbárie da Lei de Talião, impondo que a consequência da lesão a bens jurídicos penalmente tutelados se desse apenas por meio da ofensa à liberdade (prisão).

Há algum tempo, a privação da liberdade era o mínimo que ocorria por meio da prisão. Além da impossibilidade de ir e vir, poderiam surgir durante a execução da pena outras relativizações de direitos. Noutros termos, a ofensa a liberdade era o mínimo previsível da prisão, havendo possibilidade de serem atingidos outros direitos.

Ocorre que, atualmente, a perda temporária da liberdade se junta a inúmeras outras consequências não legalmente previstas, porém previsíveis. A prisão tem como consequência legal a privação da liberdade e como consequências ilegais todo o resto. Assim como a liberdade, perde-se a dignidade, a integridade física e psicológica e a certeza sobre a continuidade do exercício do direito à vida.

Há uma espetacularização da prisão, como se nome, honra e dignidade perdessem a proteção jurídica em algumas hipóteses que despertam a curiosidade pública. Comemoram a prisão de um rico como uma tentativa de demonstrar que ninguém é inalcançável pelo Direito Penal e que a impunidade está sendo curada. Simultaneamente, comemoram mentalmente a prisão de um pobre por considerarem que alguém perigoso – do ponto de vista social – foi retirado do convívio em sociedade, mas não exteriorizam esse sentimento asqueroso para que não demonstrem como seus pensamentos são repugnantes.

Perde-se o cabelo em um ritual inconstitucional e ilegal que anuncia ao apenado que está iniciando uma jornada de perdas. Perder o cabelo sem o seu consentimento é apenas o início.

Perde-se o contato com familiares ou, no mínimo, esse contato é extremamente dificultado pelos horários inflexíveis, filas quilométricas e ausência de pessoal nos presídios para dar celeridade aos procedimentos de identificação e visita.

Não raramente, perde-se a possibilidade de estar em juízo acompanhando os depoimentos das pessoas que o acusam, apenas porque quem presta os serviços penitenciários não possui efetivo para realizar deslocamentos. Lamentavelmente, nem todos os Juízes adiam as audiências nesses casos.

Perde-se a integridade física, porquanto a violência é institucionalizada no interior do cárcere. Aliás, as violências física, psicológica e sexual são consideradas decorrências automáticas da maioria dos estabelecimentos prisionais brasileiros.

Perde-se a possibilidade de procurar um Advogado. Perde-se, inclusive, a possibilidade de fiscalizar a atuação do seu Advogado. O preso tem apenas três possibilidades: contar com a Defensoria Pública – sempre qualificadamente atuante -, contratar Advogados desesperados que, de forma antiética, fazem mutirão no sistema prisional ou esperar que seus familiares encontrem um Advogado que possa defendê-lo no processo criminal ou na execução penal. Caso não tenha familiares ou o crime tenha causado o afastamento deles, a terceira opção é prontamente descartada.

No contexto atual do sistema prisional brasileiro, perde-se, da mesma forma, a dignidade da pessoa humana. O preso passa a ser apenas um objeto de exteriorização das nossas frustrações sociais e morais e da incapacidade governamental de gerir políticas públicas e recursos financeiros.

Perde-se, inclusive, a possibilidade de cumprir a pena de modo a possibilitar a harmônica integração social do condenado (art. 1º da Lei de Execução Penal), pois, em presídios faticamente administrados por facções e milícias, a prática de crimes em favor desses “administradores” é “conditio sine qua non” para permanecer vivo.

Com exceção da perda temporária da liberdade, todas as outras perdas ocorrem em flagrante inconstitucionalidade e ilegalidade. No Brasil, os preceitos secundários dos tipos penais, em sua maioria, prevêem apenas “reclusão/detenção, de x meses/anos a x meses/anos”. Não há previsão de perda da dignidade, insegurança quanto à continuidade da vida, violência física, psicológica e sexual etc.

Se não exigirmos o cumprimento das normas constitucionais e legais relativas à execução penal, podemos comemorar ou estar satisfeitos com a prisão de alguém? Podemos comemorar a punição de uma ação ou omissão ilícita (crime) por meio de uma situação ilícita (cumprimento de pena no sistema prisional brasileiro)?

Se punirmos de forma ilícita, quem nos punirá?