Investigação criminal defensiva: por que devemos utilizá-la?

O Advogado Criminalista pode fazer uma investigação paralela e alheia ao inquérito policial? Além de requerimentos na investigação criminal oficial – quase sempre indeferidos -, o Advogado poderá instaurar e conduzir sua própria investigação?

Trata-se de um tema atual, de importância prática e intimamente ligado à Advocacia Criminal artesanal, especializada e detalhista.

Atualmente, não se admite mais uma defesa técnica padronizada e passiva, que apenas rebata os fatos e as provas que surgem na persecução penal por meio da atividade policial, da atuação da acusação e do criticável protagonismo de alguns Juízes na gestão probatória.

É imperativo que os Advogados Criminalistas e Defensores Públicos ataquem, e não apenas defendam. Devem produzir provas, não se limitando a contrariar as provas produzidas pela acusação. Exige-se iniciativa, superando a lógica da mera resposta.

O Advogado tem o dever de tomar todas as medidas possíveis/cabíveis em favor do investigado/réu. Essas medidas não podem ser limitadas a reações aos atos da acusação e às decisões dos Juízes, porque devem abranger também iniciativas da defesa técnica, como a investigação criminal defensiva.

A utilização efetiva da investigação defensiva pode decidir se um inocente será condenado ou absolvido, se será ou não aplicada uma qualificadora, privilegiadora, agravante, atenuante, causa de aumento ou de diminuição de pena. Pode, ainda, seguir linhas de investigação descartadas pela autoridade policial ou pelo Ministério Público, encontrando elementos que permaneceriam desconhecidos.

A investigação criminal defensiva amplia o cenário de atuação da defesa técnica, que não mais deve permanecer inerte ou apenas rebater o que a outra parte apresenta nos autos. Exige-se uma postura ativa, inovadora e produtora de elementos, quiçá preventiva, dependendo do caso.

Contudo, a abordagem doutrinária dessa forma de atuação pela defesa técnica ainda é acanhada, não recebendo a atenção que o tema merece.

Enquanto a investigação direta pelo Ministério Público recebeu enorme atenção doutrinária, jurisprudencial e midiática, o mesmo não ocorreu, até o momento, em relação à investigação direta pela defesa. Apesar dos inúmeros livros e artigos defendendo o poder de investigação do órgão acusador, ainda é tímida essa iniciativa no âmbito da Advocacia e da Defensoria Pública, mesmo após a publicação do Provimento n. 188/18 do Conselho Federal da OAB. Aliás, é possível supor que muitos Advogados desconheçam a possibilidade de instauração de uma investigação defensiva paralela ao inquérito ou processo.

Já se observou há muito tempo que a acusação prepondera no processo penal brasileiro, o que decorre de inúmeros fatores:

  • excesso de livros de Direito Penal e Direito Processual Penal escritos por Promotores de Justiça, Procuradores da República ou Magistrados com um perfil mais punitivista;
  • escassez de livros escritos por Advogados. Ademais, não é raro que os Advogados autores de livros sejam membros aposentados do Ministério Público;
  • foco midiático na acusação em detrimento da defesa;
  • confusão popular entre os crimes praticados pelo investigado ou réu e o Advogado ou Defensor Público que realiza a defesa, muitas vezes atacado com a frase “quem defende bandido também é bandido”;
  • a “busca da verdade real”, que incentiva o protagonismo de Juízes;
  • o crescimento da onda punitivista.

Deve-se inserir na pauta da defesa a busca da redução da desigualdade entre os poderes das partes, inclusive na fase pré-processual. Como objetivo onírico ou utópico – que sempre deve ser buscado -, deveríamos tentar igualar tais poderes.

O Advogado jamais poderá ficar satisfeito com a mera formalidade da sua admissão em um processo, como se fosse um desimportante adorno da sala de audiências.

A defesa não garante resultados, mas deve buscá-los com todos os meios legalmente permitidos. Nas belíssimas palavras de Silva (1991, p. 21), “a defesa é um meio e persegue um fim. Não é preciso defender ‘bonito’, é preciso defender ‘útil’.”

Deve-se ter responsabilidade como Advogado ou Defensor Público de alguém. Como diz Oliveira (2008, p. 17):

Qualquer relação de aconselhamento jurídico ou de patrocínio forense importa, para o respectivo advogado, uma irrenunciável responsabilidade cívica ética e profissional, mormente pelas consequências mediatas que possam vir a produzir-se na esfera jurídica do aconselhado ou representado, na sequência do desempenho daquele.

A relevância do papel defensivo somente é sentida se, em cada agir, tivermos ciência das consequências possíveis: pena privativa de liberdade, estigma de condenado, ofensas a direitos (incluindo a vida) no cárcere etc. Como disse o conselheiro Acácio, no O primo Basílio, de Eça de Queirós, as consequências vêm sempre depois.

É missão vital do Advogado refletir sobre as dores que o investigado/réu sofre. Imaginar o sofrimento inimaginável de quem deposita as últimas esperanças nos seus serviços.

Carnelutti (2009, p. 34-35) descreve com exatidão o papel do Advogado:

A essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia é esta: situar-se no último degrau da escada, junto ao imputado. As pessoas não compreendem aquilo que, por outro lado, sequer os juristas compreendem; e riem, e ridicularizam, e escarnecem.

Por todos esses motivos, devemos considerar e incentivar a utilização da investigação criminal defensiva como instrumento de efetivação da ampla defesa.

REFERÊNCIAS:

OLIVEIRA, Francisco da Costa. A defesa e a investigação do crime. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2008.

SILVA, Evandro Lins e. A defesa tem a palavra. 3. ed. Rio de Janeiro: Aide Ed., 1991.