O preso deve custear suas despesas?

O Projeto de Lei do Senado nº 580/2015 (leia aqui) tem o escopo de alterar a Lei de Execução Penal para estabelecer que o preso seja obrigado a ressarcir o Estado pelas despesas referentes à sua manutenção no sistema prisional, mediante recursos próprios ou por meio de trabalho.

No entanto, esse projeto é bastante questionável.

Anteriormente, já causou polêmica a questão do preso custear sua tornozeleira eletrônica (leia aqui). Agora, o assunto vem novamente à discussão: é possível que o Estado cobre do apenado os valores gastos com alimentação, estadia e saúde? Além disso, o preso deve pagar pelo seu transporte às audiências?

Deve-se destacar que o art. 29 da Lei de Execução Penal já trata da destinação da remuneração do preso, especialmente no §1º, “d”, nos seguintes termos:

Art. 29. O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo.

§ 1° O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender:

a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios;

b) à assistência à família;

c) a pequenas despesas pessoais;

d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores.

Observa-se que a previsão do art. 29 da LEP é demasiadamente genérica, sobretudo na parte que afirma que o ressarcimento ao Estado será em proporção a ser fixada.

No projeto em análise, o réu passaria a arcar com esses custos e, caso não possua condições (recursos próprios), ele deverá trabalhar para realizar o ressarcimento ao Estado. Portanto, em tese, o projeto não apresenta uma novidade quanto ao dever de ressarcir o Estado, mas é mais específico e cria uma obrigação de trabalhar para custear suas despesas.

O projeto é uma proposta do Senador Waldemir Moka (PMDB-MS) e justificado pela falta de recursos para um sistema prisional digno. Com o auxílio financeiro dos condenados, em tese, as condições de cumprimento de pena seriam melhores. Na justificação, consta que “se as despesas com a assistência material fossem suportadas pelo preso, sobrariam recursos que poderiam ser aplicados em saúde, educação, em infraestrutura etc.”

A lógica do projeto é problemática, haja vista que desconsidera que muitos apenados não possuem condições financeiras. Além disso, na ótica constitucional, o apenado não pode ser forçado a trabalhar (art. 5º, XLVI, “c”, da Constituição), ainda que o art. 31 da Lei de Execução mencione que o condenado está obrigado ao trabalho, em discutível (in)compatibilidade com a Constituição Federal.

Ademais, a Constituição Federal se omite quanto à (im)possibilidade de que o Estado cobre dos presos pela execução de suas penas ou pela concessão de direitos durante a pena privativa de liberdade (como é o caso da tornozeleira eletrônica).

Não obstante, a LEP também dispõe que “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade” (art. 10 da LEP). Na mesma linha, o art. 12 da LEP, que trata da assistência material.

Instituir o dever de que o apenado pague por suas despesas no cárcere, inclusive com a obrigação de trabalhar para realizar tal reparação, constituiria uma parcial e indireta privatização do sistema prisional, indo além da privatização implícita que já temos em vários estabelecimentos prisionais, isto é, a direção dos presídios por meio de facções.

Se ocorrer essa transferência de dever (na lei e na prática), quem garante que o Estado não começará a invocar sua irresponsabilidade em relação ao dever de indenizar por atos ocorridos no interior do cárcere, como homicídios e suicídios?

Por esses motivos (atribuir ao apenado um dever que é do Estado e obrigá-lo a trabalhar, de modo contrário à Constituição), é questionável o projeto para que os presos passem a custear suas despesas no sistema carcerário.