Uma prisão pode parar um país?

Não é novidade que o Direito Penal é midiatizado ao extremo no Brasil. Júris (goleiro Bruno, por exemplo), homicídios praticados por parentes (caso Nardoni, por exemplo) e outras fatalidades são escolhidas aleatoriamente pela imprensa e expostas exaustivamente.

Há alguns anos, determinados fatos paravam o país. Podem ser citadas, por exemplo, as primeiras vezes em que determinadas figuras foram citadas (sim, apenas citadas) em delações premiadas, como Sérgio Cabral, Eduardo Cunha, Renan Calheiros, Aécio Neves e Lula. Atualmente, pouco se fala quando algum desses personagens é citado em uma delação. Alguns, como Eduardo Cunha e Sérgio Cabral, nem recebem atenção mais.

O patamar foi subindo paulatinamente. Num momento, o alarde ocorria quando alguém era citado numa delação. Em seguida, quando passava a ser investigado ou era denunciado. Depois, notícias do tipo “fulano passa a ser réu”. Avançou-se, ainda, para notícias sobre condenações e prisões.

Entretanto, chegamos a um ponto em que parece não ter como elevar o patamar.

O fato estranho no decreto de prisão do ex-presidente Lula consiste na celeridade incomum, que deixou o país inteiro surpreso. Num dia, todos acompanhavam a decisão do Supremo Tribunal Federal quanto à possibilidade de execução provisória da pena após o esgotamento da segunda instância.

Poucas horas depois do fim do julgamento, um Juiz Federal, substituindo o Desembargador (em férias) que tinha a relatoria do caso no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, expediu ofício ao Juiz Federal Sérgio Moro quanto à possibilidade de execução provisória da pena, independentemente do esgotamento dos recursos na segunda instância.

O Juiz de Curitiba, em poucos minutos, despachou possibilitando que Lula se entregasse em determinado prazo, antes que fosse cumprida a ordem de prisão.

É impossível dizer que alguém previa essa movimentação na mesma semana do julgamento pelo STF. Sem exceção, todos acreditavam que a execução ocorreria após o julgamento dos embargos dos embargos, quando seria possível para a defesa interpor apenas os recursos destinados aos Tribunais Superiores.

Do ponto de vista estritamente processual (não nos interessa o aspecto político), há muito a se lamentar.

No passado, discutíamos a banalização da prisão preventiva (leia aqui). Em algum momento, esse debate se encerrou ou diminuiu drasticamente. Começamos a falar sobre a execução provisória da pena, com debates propostos pelos maiores juristas do país. Após a decisão do STF no habeas corpus do Lula, imaginamos que houve uma derrota do texto constitucional (para ver meus comentários sobre a pretensa “mutação constitucional”, clique aqui) e que a questão permaneceria assim ou, no futuro, melhoraria quando fosse julgada nas ADCs 43 e 44. Entretanto, foi determinada a imediata execução provisória da pena, independentemente do exaurimento da segunda instância.

Para os leigos, essa prisão parou o país porque representa o encarceramento do ex-presidente mais popular da história recente do país, o qual é admirado por alguns e odiado por outros. Parece não haver uma “corrente intermediária” sobre gostar ou não de Lula.

Por outro lado, para os juristas, há um susto em decorrência da decisão do STF, que manteve a tese da execução provisória da pena quando havia uma expectativa de mudança de entendimento, o que não ocorreu em virtude do confuso voto da Ministra Rosa Weber, que disse votar com a maioria que, para ser maioria, dependeria do seu voto. Além disso, a comunidade jurídica ficou surpresa com um avanço da própria tese da execução provisória, em decorrência da determinação para ser preso antes de esgotar os recursos no Tribunal Regional Federal. Noutras palavras, uma tese punitivista foi superada por um entendimento ainda mais rigoroso.

De qualquer forma, trata-se, inegavelmente, de uma ordem de prisão que parou e dividiu o país.