A queixa e a ação penal de iniciativa privada

A ação penal de iniciativa privada tem base legal no art. 100, §2º, do Código Penal, e art. 30 do Código de Processo Penal. Inicia-se com o oferecimento de queixa-crime, que precisa respeitar os requisitos descritos no art. 41 do Código de Processo Penal, da mesma forma que a denúncia, peça exordial da ação penal pública.

De acordo com Mirabete (2004, p. 117), “institui-se a ação penal privada, uma das hipóteses de substituição processual, em que a vítima defende interesse alheio (direito de punir) em nome próprio”. É importante ressaltar que o interesse defendido na ação penal privada não é o do próprio ofendido, haja vista que não se tutela a busca da vingança privada.

Como exemplos de crimes sujeitos à ação penal de iniciativa privada, podem ser citadas a calúnia, a injúria, a difamação, o esbulho possessório de propriedade particular (art. 161, §3º, do Código Penal) e a fraude à execução (art. 179 do Código Penal).

É importante destacar que o art. 44 do Código de Processo Penal exige que a procuração do advogado do querelante tenha poderes especiais para o oferecimento da queixa. Deve consta no instrumento do mandato “o nome do querelante e a menção do fato criminoso, salvo quando tais esclarecimentos dependerem de diligências que devem ser previamente requeridas no juízo criminal.”

Aplicando esse dispositivo legal, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu:

Crime contra a honra. Queixa-crime. Instrumento de mandato judicial que não preenche os requisitos do art. 44 do CPP. Omissão sobre a necessária referência individualizadora do fato criminoso. Impossibilidade de regularização. Consumação do prazo decadencial (CPP, art. 38). Reconhecimento da extinção da punibilidade do ora recorrente e consequente trancamento da ação penal.
(RHC 105.920, Segunda Turma, rel. Min. Celso de Mello, julgado 08/05/2012)

Portanto, no caso supracitado, o STF entendeu que a procuração não individualizava o fato criminoso e que, como já havia transcorrido o prazo decadencial, não seria mais possível a regularização da procuração.

Aliás, a prática forense recomenda aos Advogados não apenas uma procuração detalhada, mas também a formalização de um termo de declarações do querelante, seja para fazer o boletim de ocorrência, seja para ingressar com a queixa-crime.

O motivo é simples, porém preocupante: dar causa à instauração de investigação ou processo judicial contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente configura crime de denunciação caluniosa (art. 339 do Código Penal), cuja pena é de 2 a 8 anos de reclusão. Caso surja alguma acusação por denunciação caluniosa contra o querelante, se inexistir um termo de declarações com a descrição minuciosa de todos os detalhes, há o risco de que ele alegue que houve equívoco do Advogado ao acompanhá-lo para registrar o boletim de ocorrência ou no momento da elaboração da queixa-crime. Portanto, o termo de declarações seria uma garantia para o Advogado.

A ação penal de iniciativa privada é indivisível (princípio da indivisibilidade), nos termos do art. 48 do Código de Processo Penal, de modo que a renúncia, ainda que tácita, em relação a um dos autores do crime, a todos beneficia (art. 49 do Código de Processo Penal).

O STF, em decisão antiga, explicou perfeitamente o princípio da indivisibilidade:

Tratando-se de ação penal privada, o oferecimento de queixa-crime somente contra um ou alguns dos supostos autores ou partícipes da prática delituosa, com exclusão dos demais envolvidos, configura hipótese de violação ao princípio da indivisibilidade (CPP, art. 48), implicando, por isso mesmo, renúncia tácita ao direito de querela (CPP, art. 49), cuja eficácia extintiva da punibilidade estende-se a todos quantos alegadamente hajam intervindo no suposto cometimento da infração penal (CP, art. 107, V, c/c art. 104).
(HC 88.165, Segunda Turma, rel. Min. Celso de Mello, julgado em 18/04/2006)

Por fim, urge ressaltar que o direito de queixa deve ser levado a sério e avaliado com precisão pelo Advogado que representará o querelante, considerando que se trata de uma postura processual distinta da habitual posição defensiva e que alguns comportamentos desidiosos resultariam na extinção da punibilidade em razão da perempção.