STJ: medidas protetivas de urgência são de natureza inibitória e não cautelar (Informativo 789)

STJ: medidas protetivas de urgência são de natureza inibitória e não cautelar (Informativo 789)

No REsp 2.036.072-MG, julgado em 22/8/2023, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que “a natureza jurídica das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha é de tutela inibitória e não cautelar, inexistindo prazo geral para que ocorra a reavalição de tais medidas, sendo necessário que, para sua eventual revogação ou modificação, o Juízo se certifique, mediante contraditório, de que houve alteração do contexto fático e jurídico”.

Informações do inteiro teor:

Cinge-se a controvérsia a definir a natureza jurídica das medidas protetivas de urgência previstas na Lei n. 11.340/2006, se de tutela inibitória ou cautelar e o prazo de vigência das referidas medidas.

Depreende-se que a a Lei n. 11.340/2006 teve o intuito de proteger a mulher da violência doméstica e familiar que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto. As medidas protetivas de urgência, por conseguinte, foram criadas com a finalidade de impedir que o referido ilícito (violência doméstica e familiar) ocorra ou se perpetue.

O art. 4.º da Lei Maria da Penha, a propósito, preceitua que, “Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar”. A referida regra hermenêutica exige que, ao interpretar os dispositivos legais previstos na Lei n. 11.340/2006, seja assegurada, em especial, a tutela efetiva do direito fundamental das mulheres a uma vida livre de violência.

Desse modo, afigura-se inviável sustentar a natureza estritamente acessória do referido instrumento protetivo. É certo que, na maioria das vezes, o pedido de imposição de medidas protetivas está vinculado à suposta prática de delito no âmbito doméstico. No entanto, é possível a existência de violência doméstica sem que se tenha praticado, no caso, eventual ilícito penal.

Não há, na Lei n. 11.340/2006, nenhuma indicação expressa de que as medidas protetivas de urgência teriam natureza cautelar, e que, desse modo, deveriam estar atreladas a algum processo principal ou a eventual inquérito policial.

Ademais, ao prever o crime de Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência (art. 24-A da Lei n. 11.340/2006), o Legislador expressamente consignou, no § 1.º do art. 24-A da Lei Maria da Penha que “A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas”, o que confirma a conclusão de que é desnecessária, para o deferimento das referidas medidas, a existência de inquérito ou processo criminal.

Assim, deve prevalecer a orientação de que “as medidas protetivas impostas na hipótese de prática de violência doméstica e familiar contra a mulher possuem natureza satisfativa, motivo pelo qual podem ser pleiteadas de forma autônoma, independentemente da existência de outras ações judiciais” (AgRg no REsp 1.783.398/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 16/4/2019).

Portanto, vê-se que as medidas protetivas de urgência possuem natureza inibitória, pois têm como finalidade prevenir que a violência contra a mulher ocorra ou se perpetue. Por conseguinte, a única conclusão admissível é a de que as medidas protetivas eventualmente impostas têm validade enquanto perdurar a situação de perigo. Perde sentido, dessa forma, a discussão acerca da necessidade de fixação de um prazo de vigência, pois é impossível saber, a priori, quando haverá a cessação daquele cenário de insegurança.

A decisão judicial que impõe as medidas protetivas de urgência submete-se à cláusula rebus sic stantibus, ou seja, para sua eventual revogação ou modificação, mister se faz que o Juízo se certifique de que houve a alteração do contexto fático e jurídico.

Nesse cenário, torna-se imperiosa a instauração do contraditório antes de se decidir pela manutenção ou revogação do referido instrumento protetivo. Em obediência ao princípio do contraditório, as partes devem ter a oportunidade de influenciar na decisão, ou seja, demonstrar a permanência (ou não) da violência ou do risco dessa violência, evitando, dessa forma, a utilização de presunções, como a mera menção ao decurso do tempo, ou mesmo a inexistência de inquérito ou ação penal em curso.

A fim de evitar a inadequada perenização das medidas, nada impede que o juiz, caso entenda prudente, revise periodicamente a necessidade de manutenção das medidas protetivas impostas, garantida, sempre, a prévia manifestação das partes, consoante entendimento consolidado pela Terceira Seção do STJ, no sentido de que “a revogação de medidas protetivas de urgência exige a prévia oitiva da vítima para avaliação da cessação efetiva da situação de risco à sua integridade física, moral, psicológica, sexual e patrimonial” (AgRg no REsp 1.775.341/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, DJe de 14/4/2023).

Informações adicionais:

LEGISLAÇÃO

Constituição Federal (CF), art. 226, § 8º

Lei n. 11.340/2006, art. 4º, art. 19, §§ 2º e 3º, art. 22 e art. 24-A, § 1º

Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) –  Edição nº 789 – leia aqui.