A ação penal do crime de lesões corporais no contexto da Lei Maria da Penha

Recentemente, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), na Pet 11.805, decidiu, por unanimidade, que a ação penal nos crimes de lesão corporal leve cometidos em detrimento da mulher, no âmbito doméstico e familiar, é pública incondicionada. A decisão está no informativo nº 604 do STJ.

Essa decisão revisou entendimento anteriormente manifestado pelo rito dos recursos repetitivos e ficou assim ementada:

PETIÇÃO. QUESTÃO DE ORDEM. RECURSOS REPETITIVOS. TEMA N. 177. CRIME DE LESÕES CORPORAIS COMETIDOS CONTRA A MULHER NO ÂMBITO DOMÉSTICO E FAMILIAR. NATUREZA DA AÇÃO PENAL. REVISÃO DO ENTENDIMENTO DAS TERCEIRA SEÇÃO DO STJ. ADEQUAÇÃO AO JULGAMENTO DA ADI N. 4.424/DF PELO STF E À SÚMULA N. 542 DO STJ. AÇÃO PÚBLICA INCONDICIONADA.
1. Considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, deve ser revisto o entendimento firmado pelo julgamento, sob o rito dos repetitivos, do REsp n. 1.097.042/DF, cuja quaestio iuris, acerca da natureza da ação penal nos crimes de lesão corporal cometidos contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, foi apreciada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em sentido oposto, já incorporado à jurisprudência mais recente deste STJ.
2. Assim, a tese fixada passa a ser a seguinte: a ação penal nos crimes de lesão corporal leve cometidos em detrimento da mulher, no âmbito doméstico e familiar, é pública incondicionada.
3. Questão de ordem acolhida a fim de proceder à revisão do entendimento consolidado por ocasião do julgamento do REsp n. 1.097.042/DF – Tema 177.
(Pet 11.805/DF, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 10/05/2017, DJe 17/05/2017)

Há inúmeras questões que devem ser ressaltadas.

Insta salientar que, atualmente, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça consideram que a ação penal no crime de lesão corporal praticado no contexto da Lei Maria da Penha é pública incondicionada. Nesse sentido, o entendimento do STF em controle concentrado de constitucionalidade (ADIn 4.424), a súmula nº 542 do STJ e, também deste Tribunal, julgamento pelo rito dos recursos repetitivos.

O Supremo Tribunal Federal, ao decidir a ADIn 4.424, considerou que o Ministério Público pode promover a denúncia nos casos de lesão corporal contra as mulheres independentemente de representação. O único voto contrário foi do Min. Cezar Peluso.

Nesse julgamento, o Min. Marco Aurélio (relator) entendeu que, se aplicada a Lei nº 9.099/95 – especialmente no que concerne à necessidade de representação –, a proteção pretendida pela Lei Maria da Penha seria esvaziada.

Como é sabido, o Código Penal não menciona a necessidade de representação para o crime de lesão corporal leve. O condicionamento da ação penal relativa a esse crime foi imposto somente pela Lei 9.099/95, que, no seu art. 88, dispõe: “Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas.”

Por sua vez, a Lei Maria da Penha dispõe em seu art. 41: “Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.”

Assim, reconhecendo a constitucionalidade do art. 41 da Lei Maria da Penha, tem-se a impossibilidade de aplicação do art. 88 da Lei 9.099/95, que passou a exigir a representação. Portanto, os crimes de lesões corporais, ainda que de natureza leve ou culposa, praticados contra a mulher em âmbito doméstico, são de ação penal pública incondicionada.

Por outro lado, em relação aos outros crimes, como os de ameaça e cometidos contra a dignidade sexual, continua exigível a representação, porque esta condição está prevista no Código Penal, que, como é perceptível, não tem sua aplicação vedada pela Lei Maria da Penha, ao contrário da Lei 9.099/95.

Destarte, é de se pensar se uma mera alteração do Código Penal, com a inclusão do condicionamento à representação, alteraria a natureza da ação penal do crime de lesão corporal no contexto da Lei Maria da Penha. Em outras palavras, se a representação não é exigida por estar prevista apenas na Lei 9.099/95, qual seria o entendimento jurisprudencial se essa condição também estivesse no Código Penal ou em qualquer outra legislação distinta da Lei dos Juizados?