Se o fato narrado não constitui crime…

O art. 397, III, do CPP, prevê a absolvição sumária quando o Juiz verificar “que o fato narrado evidentemente não constitui crime”.

O que significa “fato narrado”? Onde esse fato foi narrado? Por quem?

Essa hipótese de atipicidade formal terá incidência após o oferecimento e o recebimento da denúncia, inclusive depois da citação e da apresentação da resposta à acusação. Logo, o fato foi narrado pela acusação (Ministério Público ou querelante), na exordial acusatória (denúncia ou queixa).

Portanto, a tarefa da defesa é demonstrar que a denúncia ou queixa-crime narrou um fato que não constitui crime.

Nesse prisma, deve-se analisar a denúncia ou queixa-crime e compará-la com os elementos do tipo penal. Não se exige uma análise dos elementos informativos do inquérito policial, tampouco a produção de provas. Basta comparar a narrativa da peça acusatória com os elementos do tipo penal. Em suma, em uma mão, o Advogado deve ter a denúncia ou queixa-crime; na outra, o dispositivo legal referente ao tipo penal imputado. Por fim, deve compará-los.

Ainda que não dependa de análise probatória, essa tese exige uma cuidadosa interpretação jurídica. Nesse diapasão, para fundamentar essa tese defensiva, o Advogado deverá demonstrar como a jurisprudência e a doutrina interpretam os elementos do tipo penal.

Imagine, por exemplo, uma denúncia que narre o crime de desacato, afirmando que o denunciado colocou o dedo em riste na direção de um funcionário público. Afinal, dedo em riste é desacato?

Percebam que a afirmação da atipicidade da conduta não depende da certeza sobre o fato ter ou não ocorrido. Basta verificar, na doutrina e na jurisprudência, qual é a interpretação atribuída à palavra “desacatar”.