Em busca da paridade de armas por meio da investigação criminal defensiva

Por Evinis Talon

No processo penal, por vários fundamentos constitucionais, exige-se a paridade de armas entre as partes, que tem sua importância reconhecida pelo STF:

[…] 1. A isonomia é um elemento ínsito ao princípio constitucional do contraditório (art. 5º, LV, da CRFB), do qual se extrai a necessidade de assegurar que as partes gozem das mesmas oportunidades e faculdades processuais, atuando sempre com paridade de armas, a fim de garantir que o resultado final jurisdicional espelhe a justiça do processo em que prolatado. (STF – ARE: 648629 RJ, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 24/04/2013, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO)

Contudo, atualmente, é impossível afirmar que existe paridade de armas na persecução penal.

De certa forma, todos estão contra o acu(s)ado: Polícia Militar, Polícia Civil, Ministério Público, assistente da acusação e, não raramente, um Juiz que tem perfil acusador. Do outro lado, apenas o investigado/réu e seu Advogado ou Defensor Público.

Na fase preliminar, admite-se a investigação da Polícia (controlada externamente pelo MP) e do Ministério Público (futura parte do processo), não havendo previsão legal ou posicionamento jurisprudencial consolidado quanto à investigação feita pelos outros participantes da investigação, quais sejam, o investigado/indiciado e seu Advogado. Trata-se de uma indevida tentativa de exclusão da defesa, dando-lhe um papel meramente protocolar e tratando o investigado como objeto da investigação, com poucos resquícios do seu tratamento como sujeito de direitos, quase sempre violados (vide tópico anterior).

Ora, uma vez que se admita a investigação feita pela Polícia e pelo Ministério Público, que é uma parte no processo, deve-se admitir que seja feita paralelamente uma investigação pelo Advogado, que defende os interesses da outra parte.

A igualdade de oportunidades entre as partes tem amparo jurisprudencial, conforme se observa:

[…] O princípio da paridade de armas encontra plena incidência no processo penal, em prestígio aos direitos fundamentais da igualdade e do devido processo legal, que têm sede constitucional. A igualdade não pode ser apenas formal, devendo ter aplicação efetiva, ou seja, no curso do processo penal, guardadas particularidades próprias da acusação e da defesa, bem como do juízo, impende que às partes sejam outorgadas as mesmas oportunidades de falar, de contraditar, de reperguntar, de sustentar, de requerer e de intervir nas provas, com a adequada simetria. […] (TJ-DF 07162593320188070000 DF 0716259-33.2018.8.07.0000, Relator: MARIO MACHADO, Data de Julgamento: 11/10/2018, 1ª Turma Criminal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 18/10/2018 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)

Não há paridade de armas quando uma parte tem mais poderes que a outra. Inexiste paridade de armas se a acusação tiver mais informações que a defesa, sobretudo se puder utilizá-las.

Sobre esse tema, uma interessante decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul analisou a impossibilidade de utilização de informações extraídas do Sistema de Consultas Integradas, cujo acesso é disponibilizado a membros do Ministério Público, mas não à defesa:

[…] Nessa conjuntura, informações sobre a vida pregressa do acusado constituem argumento de autoridade, segundo interpretação hermenêutica do artigo 478 do Código de Processo Penal. Há diferença entre a juntada de Antecedentes Criminais e Informações extraídas do Sistema de Consultas Integradas. O primeiro, qualquer parte pode ter acesso, acusação ou defesa. Logo, tratam-se de documentos de acesso público. O segundo, é de uso exclusivo somente a magistrados e ao órgão ministerial, não a defesa, seja Defensoria Pública ou defesa constituída. Portanto, tratam-se de documentos de acesso restrito. Daí por que não há paridade de armas em permitir a juntada de documentos Informações do Sistema de Consultas Integradas que somente uma das partes tem acesso e a outra não, mas há paridade quando a juntada se trata de documentos cujo acesso é comum e… possível a ambas as partes Certidão de Antecedentes Criminais. Destarte, evidencia-se o prejuízo à defesa. CORREIÇÃO IMPROCEDENTE. (TJ-RS – COR: 70081292039 RS, Relator: Sérgio Miguel Achutti Blattes, Data de Julgamento: 23/05/2019, Terceira Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 28/05/2019)

Da mesma forma que não se pode admitir que o Ministério Público utilize um documento de acesso exclusivo a ele, também deveríamos, por coerência, entender que o Advogado pode conduzir e utilizar a investigação criminal defensiva, equiparando sua atuação à investigação direta realizada pelo MP.

A defesa técnica não pode existir apenas para cumprir a formalidade legal. Exige-se uma defesa efetiva. Enquanto permanecer a desigualdade de poderes, a defesa, por mais esforçada que seja, sempre estará em desvantagem.

A investigação defensiva não deve ser considerada a solução para todos os problemas da violação à paridade de armas, mas um passo importante em direção a isso.

Nery Junior (2010, p. 252) demonstra, com exatidão, o problema da defesa meramente protocolar:

A defesa feita de forma burocrática, apenas para atender formalmente à garantia da ampla defesa, não impede a caracterização da violação dessa garantia constitucional. É necessário que se dê à parte o direito efetivo de ampla defesa.

Exercer a defesa não pode ser apenas uma atuação de rebater e contrariar a versão da poderosa acusação. Deve-se também disponibilizar um conjunto de instrumentos, medidas e direitos para que a defesa consiga provar suas alegações, como a investigação defensiva.

Por derradeiro, é curioso que, quanto aos meios utilizados pelas autoridades públicas (Polícia, Ministério Público e Juiz), normalmente, defenda-se a busca da “verdade real”, um conceito filosoficamente perigoso. Entretanto, quando se trata da atividade investigativa da defesa, esse escopo não recebe os mesmos incentivos.

Veja-se, por exemplo, a utilização do “princípio da busca da verdade real” em favor da acusação:

[…]
5. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça possui o entendimento consolidado de que não configura nulidade a ouvida de testemunha indicada extemporaneamente pela acusação, como testemunha do Juízo, conforme estabelece o art. 209 do Código de Processo Penal, em observância ao princípio da busca da verdade real.
[…]
(HC 503.241/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 20/08/2019, DJe 23/08/2019)

Ora, ouvir como testemunha do Juízo uma pessoa indicada pela acusação – fora do prazo para arrolar testemunhas -, ainda que com fundamento no art. 209 do CPP, é uma violação à paridade de armas, especialmente se considerarmos que, quando a defesa requer a oitiva de uma testemunha após o prazo da resposta à acusação, normalmente o pedido é indeferido, em que pese fundamentado na ampla defesa. Infelizmente, a busca da verdade real quase sempre é invocada apenas em prol da acusação.

É necessário se insurgir contra esse tratamento desigual e propor que o direito de provar seja visto como um direito subjetivo das partes. Aliás, seria um dever da defesa técnica, porque sua inércia, quando há possibilidade de atuação, constitui uma deficiência defensiva passível de nulidade.

Referência:

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.