Esclarecendo: o STJ e o desacato

No dia 15 de dezembro de 2016, no REsp 1640084, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, considerou atípica a conduta relativa ao tipo penal do crime de desacato.

Há inúmeras explicações necessárias, inclusive para desmentir algumas informações noticiadas equivocadamente.

 

Inicialmente, o que aconteceu?

A 5ª Turma do STJ decidiu, em determinado caso concreto, que o desacato não pode ser considerado crime, pois é incompatível com o art. 13 do Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos).

Essa decisão não tem efeito vinculante, nem mesmo reflete, por ora, o entendimento majoritário do STJ. Deve-se lembrar de que, na organização do STJ, a 5ª e a 6ª Turma, que compõem a 3ª Seção, possuem competência para o julgamento de processos que tratam de matéria penal.

Assim, há, por enquanto, apenas o posicionamento de uma das Turmas (a 5ª), sem o posicionamento da outra Turma (a 6ª), assim como também não há uma definição da 3ª Seção. O fato de ter sido uma decisão unânime é um indicativo de que a tese prevalecerá no STJ.

Nesse caso concreto, houve manifestação favorável do Ministério Público Federal, por meio de parecer assinado pelo Subprocurador-Geral da República Nívio de Freitas Filho.

Ainda não há decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre esse tema. Para alguns, o STF poderia decidir no âmbito de controle concentrado de constitucionalidade, mesmo se tratando de Convenção Internacional, caso se adote o conceito de bloco de constitucionalidade. De qualquer forma, o STF poderia declarar a não recepção – e não a inconvencionalidade – se utilizasse como parâmetro o art. 5º, incisos IV e IX, da Constituição Federal, que possui significado equivalente ao do art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos, dispositivo utilizado como fundamento da decisão.

 

Ocorreu a descriminalização do desacato?

Não.

Como referido acima, a decisão vale apenas para o caso concreto tratado naquele processo, conquanto possa influenciar, sem efeito vinculante, os demais julgadores.

Em tese, o desacato continua sendo crime até que sobrevenha legislação revogando esse tipo penal ou o STF declare a não recepção do art. 331 do Código Penal.

É importante lembrar que a previsão do crime de desacato no nosso ordenamento (art. 331 do CP) é anterior à Constituição Federal de 1988, motivo pelo qual o STF não analisaria (in)constitucionalidade, mas sim (não) recepção. Não adotamos no Brasil a inconstitucionalidade superveniente. Logo, a discussão seria se esse dispositivo legal, anterior à Constituição, foi ou não recepcionado por ela.

 

Quais foram os fundamentos da decisão do STJ?

O STJ utilizou como fundamento o já mencionado art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que trata de liberdade de pensamento e de expressão. Entendeu, por conseguinte, que a criminalização do desacato atenta contra a liberdade de expressão e o direito à informação.

Segundo o STJ, os funcionários públicos sujeitam-se a maior escrutínio da sociedade, de maneira que estariam mais suscetíveis a críticas. Então, a criminalização seria uma forma de privilegiar o Estado que vai de encontro ao humanismo e aos princípios democráticos e igualitários.

Para utilizar a Convenção como parâmetro, o STJ relembrou a decisão do STF no RE 466.343, que expõe o entendimento de que os tratados internacionais ratificados pelo Brasil e incorporados ao direito interno têm natureza supralegal.

Salienta-se, por oportuno, que o STJ exerceu um controle de convencionalidade, o qual não se confunde com o controle de constitucionalidade.

No controle de constitucionalidade, o ato normativo é confrontado com a Constituição, enquanto no controle de convencionalidade há uma análise de compatibilidade entre um ato normativo e um Tratado ou Convenção Internacional.