Por que o Estado prefere aplicar o Direito Penal a investir em políticas públicas?

Quando se trata do Direito Penal, o Estado chega tarde, muito tarde. Com essa afirmação, não quero argumentar que o Direito Penal deve começar a punir, como regra, atos preparatórios. Não me refiro à fase do “iter criminis”, mas às possibilidades que o Estado teria de, quiçá, evitar que alguém cogite a prática de um crime.

Refiro-me aos investimentos em políticas públicas de educação, trabalho, formação da cidadania etc. O Estado deveria contribuir para que todos tivessem iguais – ou boas – oportunidades.

Quando o Estado, no “combate à criminalidade”, pensa unicamente em aumentar o policiamento, construir mais presídios ou instituir leis penais mais rigorosas, parece abandonar a confiança em sua população, como se o excesso de crimes fosse inevitável, podendo apenas ser combatido em forma de processo penal e penas privativas de liberdade. Por que não é possível prevenir?

Nesse caso, parece que o Estado, por meio dos seus governantes, faz uma escolha: aplica-se o Direito Penal em detrimento da implementação e da execução de políticas públicas que contribuiriam para que todos tivessem maior poder de autodeterminação e, por consequência, de evitar a prática de determinados crimes. É como se o Estado acreditasse que aplicar o Direito Penal é menos oneroso do que desenvolver políticas públicas que combateriam, “ab initio”, a criminalidade.

Os governantes se esquecem dos vários gastos com o sistema penal, desde os servidores que atuam nos processos (Juízes, Promotores, Defensores, Delegados etc.) até a despesa que cada preso gera para o Estado.

Ao lado dessa percepção equivocada sobre os gastos, deve-se lembrar que a instituição de novos crimes e o aumento das penas dos crimes já existentes produz na população uma falsa ideia de segurança, o que incentiva o Direito Penal simbólico (leia aqui), que normalmente institui penas desproporcionais e normas inconstitucionais.

Ademais, o Estado deixa de fornecer educação e saúde para a parcela mais humilde da população, mas, pelo caráter estigmatizante e preconceituoso do Direito Penal, atinge posteriormente essas mesmas pessoas.

A enorme quantidade de crimes patrimoniais – principalmente os furtos – poderia ser reduzida consideravelmente se o Estado proporcionasse condições para a obtenção de empregos, inclusão no mercado de trabalho e formação humanística, ética e profissional.

Em seguida, o Estado, que já deixou de implementar políticas públicas adequadas e aplicou o Direito Penal, envia essas pessoas para um sistema falido em que a ressocialização conta muito mais com a sorte e o esforço pessoal do apenado do que com a vontade estatal. Enquanto os presídios brasileiros continuarem sendo ambientes que retiram a dignidade da pessoa presa, a ressocialização será apenas uma utopia.

Depois de sair dos estabelecimentos prisionais, o ex-preso encontra dificuldades para trabalhar – pois o ambiente carcerário não proporcionou uma adequada formação profissional –, teve sua família destruída – considerando que as visitas aos apenados, em muitos locais, ainda depende de revistas íntimas, o que afasta os familiares – e, para completar, manterá o estigma de ex-condenado numa sociedade acostumada a discriminar.

Há, portanto, uma bola de neve: o Estado não implementa as políticas públicas adequadas; em seguida, aplica o Direito Penal, enviando alguém para um sistema falido, com as condições infinitamente piores que as do ambiente externo; depois de passar por estabelecimentos prisionais que destroem o ser, o indivíduo é novamente posto em liberdade numa sociedade que agora vai observá-lo com preconceito e que continuará sem fornecer oportunidades adequadas quanto à educação, trabalho, moradia etc.

Nesse ponto, além das políticas públicas anteriormente citadas, uma forma de minorar os dados do sistema penal – ou reduzir as chances de que o Direito Penal seja novamente aplicado – seria investir na humanização dos estabelecimentos prisionais, o que necessitaria apenas do cumprimento da legislação atualmente vigente. Ocorre que, novamente, parece que o Estado prefere apenas trancar os apenados em um presídio lotado e, se for o caso, aplicar novamente o Direito Penal no futuro em caso de reincidência.

Quais são as verdadeiras fontes da criminalidade? Seria possível reduzir consideravelmente a criminalidade se o Estado fugisse dessa visão equivocada de que o primeiro – e melhor – momento para evitar o aumento da violência é o policiamento e a persecução criminal? Até quando o Estado preferirá remediar pelo Direito Penal a prevenir com políticas públicas?