O Direito Penal mínimo

O Direito Penal é um meio utilizado pelo Estado para o controle da violência. Entretanto, na prática, vem ocorrendo uma expansão desenfreada do Direito Penal.

Muitas vezes, o legislador, movido pelo clamor midiático e da população, além da gana pela obtenção de mais votos, cria e altera leis incriminadoras sem respeitar critérios de proporcionalidade e até de racionalidade.

São leis que não buscam especificamente a proteção de bens jurídicos relevantes, mas sim uma punição exagerada ou a criminalização de condutas que não merecem a tutela penal. Ou realmente é necessária a tutela penal em relação à “grave” conduta de maltratar plantas de ornamentação de propriedade privada de forma culposa (art. 49, parágrafo único, da Lei nº 9.605/98)? Aliás, por qual motivo essa conduta tem a mesma pena que o crime de ameaça?

O Direito Penal deveria proteger apenas os bens jurídicos mais relevantes e que não obtenham uma tutela suficiente por meio de outros ramos do Direito, como o Civil e o Administrativo. No momento atual, o Direito Penal não é utilizado como “ultima ratio”, mas como “prima ratio”, isto é, a primeira opção para acalmar os ânimos da sociedade após algum crime que desperte o clamor público.

A utilização do Direito Penal é tão banalizada que raramente se constata alguma menção ao seu viés mínimo nas decisões judiciais.

Cita-se, a título de exemplo, uma decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que afastou a aplicação da teoria do Direito Penal mínimo, afirmando que houve expressiva lesividade ao bem jurídico:

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE AMEAÇA (ART. 147 DO CP) MEDIANTE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA (ART. 7º, II, DA LEI 11.340/2006). RECURSO DO RÉU. INVIÁVEL A ABSOLVIÇÃO. DEPOIMENTOS DAS VÍTIMAS QUE REVELAM AS AMEAÇAS PRATICADAS PELO APELANTE, MEDIANTE O USO DE UMA FACA. RELATÓRIO PSICOLÓGICO QUE CONFIRMA O OCORRIDO. CRIME SEM TESTEMUNHAS. PALAVRA DAS VÍTIMAS QUE ASSUME EXTREMA IMPORTÂNCIA. INAPLICABILIDADE DA TEORIA DO DIREITO PENAL MÍNIMO AO CASO. COMPROVADA A EXPRESSIVA LESIVIDADE DA CONDUTA DO APELANTE AO BEM JURÍDICO TUTELADO PELA NORMA (PAZ DE ESPÍRITO, SEGURANÇA E LIBERDADE DAS VÍTIMAS). SENTENÇA MANTIDA. – […] O direito penal mínimo não retira a eficácia normativa do tipo penal que tutela a dignidade humana de agressões praticadas no âmbito doméstico. – Parecer da PGJ pelo conhecimento e desprovimento do recurso. – Recurso conhecido e não provido. (TJ-SC, Primeira Câmara Criminal, APR: 20110228389/SC, Relator Carlos Alberto Civinski, julgado em 24/09/2012)

Por outro lado, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, ao considerar que o agente deveria receber as propostas de transação penal e suspensão condicional do processo, fez referência ao Direito Penal mínimo:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. EMENDATIO LIBELLI. DESCLASSIFICAÇÃO DE DELITO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. RECEPTAÇÃO. ART. 180 PARÁGRAFO6º. PREVALÊNCIA DO PARÁGRAFO3º DESSE DISPOSITIVO LEGAL. AUSÊNCIA DE PROPOSTA DE TRANSAÇÃO E SUSPENSÃO PROCESSUAL, NOS MOLDES PRECONIZADOS PELA LEI Nº 9.099/95. REQUISITOS PREENCHIDOS PELO APELANTE, ASSIM RECONHECIDOS EM SEDE DE PARECER MINISTERIAL. PRINCÍPIOS DE DIREITO PENAL MÍNIMO. APLICABILIDADE QUE SE IMPÕE. – SENTENÇA ANULADA DE OFÍCIO. BAIXA DOS AUTOS À INSTÂNCIA A QUO. – APELAÇÃO NÃO CONHECIDA. (TRF-5, Quarta Turma, ACR 4489/PE, Relator Desembargador Federal Marcelo Navarro, julgado em  23/10/2007)

Por fim, o Supremo Tribunal Federal também já citou o Direito Penal mínimo na aplicação do princípio da insignificância a uma conduta formalmente típica praticada por um militar:

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PENAL. CRIME MILITAR. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. RECONHECIMENTO NA INSTÂNCIA CASTRENSE. POSSIBILIDADE. DIREITO PENAL. ULTIMA RATIO. CONDUTA MANIFESTAMENTE ATÍPICA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. ORDEM CONCEDIDA. 1. A existência de um Estado Democrático de Direito passa, necessariamente, por uma busca constante de um direito penal mínimo, fragmentário, subsidiário, capaz de intervir apenas e tão-somente naquelas situações em que outros ramos do direito não foram aptos a propiciar a pacificação social. 2. O fato típico, primeiro elemento estruturador do crime, não se aperfeiçoa com uma tipicidade meramente formal, consubstanciada na perfeita correspondência entre o fato e a norma, sendo imprescindível a constatação de que ocorrera lesão significativa ao bem jurídico penalmente protegido. 3. É possível a aplicação do Princípio da Insignificância, desfigurando a tipicidade material, desde que constatados a mínima ofensividade da conduta do agente, a inexistência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a relativa inexpressividade da lesão jurídica. […] (STF, Primeira Turma, HC 107.638/PE, Relator Min. Cármen Lúcia, julgado em 13/09/2011)

Sem trocadilhos, mas, no mínimo, o Direito Penal deveria ser o máximo ao qual estamos dispostos a chegar.