A investigação para subsidiar queixa-crime

A investigação para subsidiar queixa-crime

O art. 3º, parágrafo único, do Provimento n. 188/2018 do Conselho Federal da OAB dispõe:

Parágrafo único. A atividade de investigação defensiva do advogado inclui a realização de diligências investigatórias visando à obtenção de elementos destinados à produção de prova para o oferecimento de queixa, principal ou subsidiária.

Trata-se de uma previsão objetivando a realização de uma investigação, conduzida por um Advogado, com o desiderato de subsidiar o oferecimento de uma queixa-crime, principal ou subsidiária.

Antes de abordamos as diligências possíveis nesses casos, devemos discorrer sobre questões práticas e elucidar os aspectos classificatórios, principalmente sobre a nomenclatura “investigação defensiva” para se referir às diligências em favor das vítimas de crimes.

Bulhões (2019, p. 104) utiliza a seguinte classificação:

Para fins didáticos, portanto, propõe-se a seguinte taxonomia, sendo encarada a investigação defensiva (lato senso) como um gênero, do qual fazem parte quatro espécies: i) investigação defensiva stricto senso; ii) investigação defensiva dos interesses das vítimas; iii) investigação defensiva corporativa; e, ainda, iv) investigação defensiva colaboracional.

Dessa forma, o autor chama de investigação defensiva dos interesses das vítimas o procedimento que tem o desiderato de subsidiar uma queixa-crime ou qualquer outro ato em favor de quem teria sofrido a prática de uma infração penal.

Adotando outra classificação, Silva (2019, p. 461) afirma:

A investigação criminal defensiva, ou também, para a defesa de interesses pode ocorrer por meio de um inquérito defensivo, instrumento destinado à coleta de informações em favor de suspeitos, indiciados, acusados e condenados ou por meio de um inquérito auxiliar, quando realizado pelo querelante, vítima ou assistente de acusação

As duas classificações possuem bons fundamentos, mas, no presente livro, utilizaremos a expressão investigação criminal defensiva como gênero, explicitando, sempre que necessário, que se trata de procedimento em favor de um investigado/réu ou de uma vítima.

Na prática, observamos que, quando se trata de investigação de um crime sujeito à ação penal pública (homicídio, roubo, furto, estupro, lavagem, tráfico de drogas etc.), ainda que condicionada à representação (perigo de contágio venéreo, ameaça, furto de coisa comum, estelionato etc.), são realizadas muitas diligências, definidas de ofício pela autoridade policial ou requisitadas pelo Ministério Público. Nesses casos, a investigação – inquérito policial ou termo circunstanciado – será analisada pelo membro do Ministério Público, que avaliará se é caso de arquivamento, oferecimento da denúncia ou realização de novas diligências.

Por outro lado, tratando-se de crime de ação penal privada (calúnia, difamação, injúria, esbulho possessório, fraude à execução etc.), a investigação normalmente não é muito aprofundada, limitando-se à oitiva da vítima e, se possível, do autor do fato. Em regra, o Advogado que atua em favor da vítima não postula diligências – às vezes, a vítima não é informada sobre a necessidade de constituir um Advogado ou procurar a Defensoria Pública – ou, quando requer uma diligência, seu requerimento é indeferido. Em seguida, aguarda-se o oferecimento da queixa-crime com pouquíssimos elementos – o que pode gerar a rejeição da inicial acusatória – ou o termo circunstanciado é enviado ao Juizado Especial Criminal para a realização de audiência preliminar.

Para evitar que a queixa-crime seja instruída apenas com o boletim de ocorrência e com o objetivo de diminuir o risco de rejeição da exordial acusatória, a investigação criminal defensiva pode ser um excelente expediente.

Destarte, a investigação conduzida por um Advogado teria o desiderato de subsidiar a acusação instrumentalizada por uma queixa-crime, que pode ser principal ou subsidiária. A classificação doutrinária da ação penal explica adequadamente a diferença entre as duas espécies e como a segunda tem um empecilho sobre o qual devemos refletir.

É cediço que, como regra, a ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido (art. 100 do CP).

No que concerne à queixa-crime principal, trata-se da ação penal de iniciativa privada, ou seja, aquela que é promovida mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo (art. 100, §2º, do CP). O cabimento da queixa-crime como exordial acusatória depende da mera análise da legislação, que contém, no dispositivo que trata da conduta criminosa ou em outro (normalmente no mesmo capítulo), expressões como “somente se procede mediante queixa”, “depende de queixa” ou outra similar (arts. 145, 161, §3º, 167, 179, 186, I, 236, parágrafo único, e 345, parágrafo único, todos do CP).

Por sua vez, a queixa subsidiária diz respeito à permissão de que seja oferecida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal. Significa, basicamente, o cabimento de uma queixa em uma situação que originariamente dependeria de uma denúncia oferecida pelo Ministério Público. Trata-se de uma hipótese prevista no art. 5º, LIX, da Constituição Federal, inserida no título que trata dos direitos e das garantias fundamentais. No mesmo sentido, o art. 100, §3º, do CP, anuncia que a ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal.

A jurisprudência definiu o entendimento de que não é cabível a ação penal privada subsidiária da pública em caso de arquivamento do inquérito policial, conforme o STJ:

(…) 1. A ação penal privada subsidiária da pública somente é cabível nos casos em que ficar caracterizada a inércia do Ministério Público, por não oferecer denúncia no prazo legal, não sendo cabível nas hipóteses de arquivamento de inquérito policial formulado por esse órgão e acolhido pelo juiz (…) (AgRg no REsp 1477394/DF, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 04/02/2016, DJe 23/02/2016)

(…) o pedido de arquivamento do inquérito não caracteriza inércia do Parquet, razão pela qual não abre a possibilidade de eventual oferecimento de ação penal privada subsidiária da pública. Precedentes.

3. Agravo regimental improvido.

(AgRg no RMS 27.518/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 20/02/2014, DJe 27/02/2014)

Deve-se observar esse entendimento jurisprudencial para evitar a rejeição da queixa-crime referente a uma ação penal privada subsidiária da pública, evitando, além disso, que se instaure uma desnecessária investigação criminal defensiva.

Finalmente, constata-se que a investigação realizada por um Advogado pode ser utilizada para subsidiar o oferecimento de uma queixa-crime, seja no caso de ação penal privada, seja na hipótese em que o Parquet não oferece a denúncia no prazo legal.

Da mesma forma que o inquérito policial é dispensável para o oferecimento da denúncia, também não é obrigatória a instauração de uma investigação defensiva para o oferecimento da queixa-crime. Havendo elementos suficientes no inquérito policial ou no termo circunstanciado, não haverá necessidade de que o Advogado instaure a investigação. Ademais, se já tiver os elementos à disposição (documentos, por exemplo), independentemente de uma investigação defensiva, poderá anexá-los à queixa-crime.

A investigação defensiva será recomendável, portanto, nos casos em que:

  • inexistam elementos suficientes no inquérito policial ou no termo circunstanciado e a autoridade policial não defere os requerimentos de diligências formulados pelo ofendido;
  • o ofendido não tenha os elementos à disposição, necessitando, assim, de um procedimento para produzir e documentar tudo que tenha o condão de subsidiar a queixa-crime.

Referência:

BULHÕES, Gabriel. Manual prático de investigação defensiva: um novo paradigma na advocacia criminal brasileira. Florianópolis, SC: EMAIS, 2019.