O que o Juiz “pode” fazer de ofício no Processo Penal?

A utilização de aspas na palavra “pode” no título tem sentido. Tratarei do que o Código de Processo Penal (CPP) admite que os Juízes façam de ofício, mas não significa que a permissão legal passa pelo filtro de recepcionalidade, considerando que algumas disposições não se harmonizam com a Constituição Federal. Em outros casos, haverá obrigatoriedade da atuação do Magistrado, o que contraria a palavra “pode”.

Em alguns casos, há resquícios inquisitivos que violam o sistema acusatório pretendido pela Constituição Federal (art. 129, I). Para muitos doutrinadores, essas normas processuais que instituem a atuação do Juiz de ofício no processo penal não foram recepcionadas pela Constituição de 1988 ou devem ser interpretadas como admissíveis unicamente em benefício do acusado (princípio do “favor rei”).

Logo no art. 5º, inciso II, do Código de Processo Penal, constata-se uma das disposições processuais mais preocupantes e que, para muitos doutrinadores, não foi recepcionada pela atual Constituição, por violar a imparcialidade do Magistrado e a separação entre julgador e acusador. Trata-se da possibilidade de início do inquérito policial mediante requisição da autoridade judiciária, que seria a atuação de ofício por excelência, antes mesmo da atividade policial.

Por sua vez, o art. 33 do Código de Processo Penal autoriza que o Juiz, de ofício, nomeie curador especial ao ofendido menor de 18 anos, ou mentalmente enfermo, que não tiver representante legal ou se colidirem os interesses deste com os daquele. O curador especial terá a função de exercer o direito de queixa.

O art. 61 do CPP determina que o Juiz, em qualquer fase do processo, se reconhecer extinta a punibilidade, declare-o de ofício. Como se constata, trata-se de um dever do Magistrado, de observância obrigatória.

O art. 94 do CPP prevê a possibilidade de que o Juiz, de ofício, suspenda o curso da ação penal, nas hipóteses de questão prejudicial.

No âmbito das medidas assecuratórias, o art. 127 do CPP, de forma criticável, permite que o Juiz, de ofício, ordene o sequestro de bens imóveis adquiridos pelo indiciado/acusado com os proventos da infração, em qualquer fase do processo ou ainda antes de oferecida a denúncia ou queixa. Além disso, o art. 133 do CPP prevê que, após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o Juiz determinará, de ofício, a avaliação e a venda dos bens sequestrados em leilão público.

No que concerne aos incidentes, o art. 147 do CPP possibilita que o Magistrado inicie de ofício o incidente de falsidade de documento, enquanto o art. 149 prevê o início do incidente de insanidade mental do acusado por meio da atuação de ofício do Juiz.

Um dos pontos mais criticados do Código de Processo Penal é o art. 156, que concede a gestão da prova ao Magistrado. O inciso I prevê a produção antecipada de provas de ofício, inclusive antes da ação penal, o que certamente viola a imparcialidade do julgador. Como um Magistrado seria imparcial se estivesse se preocupando com a gestão da prova antes mesmo do oferecimento da denúncia pelo Ministério Público?

O art. 156, II, do CPP, prevê a possibilidade de que o Magistrado determine a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. Ora, em caso de dúvida, a absolvição é impositiva, nos termos do art. 386, VII, do CPP. Além disso, em virtude do princípio da presunção de inocência, se o Magistrado determina a produção de provas para dirimir dúvidas, estará, de alguma forma, tentando desconstituir a presunção de inocência.