A prisão cautelar exige análise individual do caso

Esse período punitivista, cumulado com o excesso de trabalho do Poder Judiciário, constitui, infelizmente, um ambiente fértil para que se busque um conjunto de soluções rápidas, preferencialmente coletivas e que exijam pouca ou nenhuma apreciação das especificidades. Uma análise genérica permite maior produtividade do Judiciário que uma abordagem individualizada.

Nesse diapasão, surgem inúmeros decretos de prisão preventiva que, se separados do processo original, poderiam ser facilmente inseridos em inúmeros outros processos sem que alguém notasse a estranheza do documento.

O processo penal se massificou. A representação do Ministério Público requerendo a prisão preventiva constituiu-se em um mero contrato de adesão, em que o julgador, como se consumidor fosse, apenas concorda com os seus termos. Nunca foi tão necessário discutir a coletivização do processo penal e da execução penal, especialmente por meio de habeas corpus coletivo e ação civil pública que se refira às condições dos estabelecimentos prisionais.

No campo da generalidade, observam-se decisões baseadas na violência da sociedade, no passado do investigado/réu e na probabilidade de novos crimes.

Algumas dessas decisões utilizam como fundamento:

– O excesso de crimes na sociedade.

– O tráfico é um crime que pode gerar roubos e homicídios.

– O Judiciário precisa preservar a segurança pública.

De qualquer forma, a liberdade é – e deve continuar sendo – a regra. O encarceramento, especialmente o cautelar, constitui uma exceção (art. 282, §6º, do CPP), que, portanto, exige motivação idônea, concreta e específica.

Na avaliação individualizada do fato concreto, o Juiz enfrenta um terrível dilema entre considerar fatos pretéritos (juízo retrospectivo) ou a probabilidade de praticar atos futuros (juízos prospectivos).

Nessa linha, a prisão de natureza cautelar não pode ser fundamentada somente na prática do fato criminoso em si, especialmente se o crime tiver sido praticado há vários meses ou anos. Caso contrário, confundir-se-iam as hipóteses de prisão cautelar com a prisão decorrente de pena privativa de liberdade.

Por outro lado, estruturar um juízo prospectivo, anotando fundamentos que se relacionem com o potencial de prática de crimes futuros, é algo que exige um cuidado do Magistrado, considerando inúmeros aspectos. A um, o Juiz não atua como agente de segurança pública. A dois, fatos imaginários e oníricos não constituem fundamentos concretos para a relativização da presunção de inocência por meio da prisão cautelar.

Destarte, um juízo individualizado acerca dos fundamentos da prisão demanda uma análise atual e recente do contexto fático-processual, não se estendendo a fatos remotos – que produziriam uma execução antecipadíssima da pena –, tampouco avaliando um perigo abstrato como “ratio decidendi” do encarceramento cautelar.

Ao decidir que alguém seja encarcerado cautelarmente, é imperioso que o juiz se sinta incomodado. O aprisionamento não pode ser um ato de alívio do Juiz criminal. Não lhe é permitido prender para evitar críticas posteriores em caso de reiteração criminosa do réu.

Ademais, não é apenas o Juiz que, ao avaliar a situação referente à prisão cautelar, deve estabelecer um juízo individualizado do caso. É imperativo que Promotores de Justiça, Advogados e Defensores Públicos também o façam, sob pena de se tratar a liberdade sem a devida individualização que ela merece.

Na prática forense, observamos muitos pedidos de revogação da prisão preventiva que, alterando o nome e o número do processo, serviriam para qualquer outro caso, independentemente do crime imputado ou das peculiaridades fático-probatórias.

Assim, repito: a prisão cautelar precisa ser analisada de forma individualizada, sem a habitual massificação que seria própria das demandas consumeristas. Caso contrário, a liberdade será consumida por essa indevida coletivização proposta pelos encarceradores em massa.