O art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/06 (Lei de Drogas), que se refere ao crime de tráfico, dispõe: “Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.”
Como se observa do texto legal, a primariedade é um requisito para a aplicação da minorante do art. 33, §4º, da Lei de Drogas. Contudo, de quem é o ônus de provar a primariedade do acusado? Aliás, a primariedade precisa ser provada ou é presumida?
Conforme já abordei em outro texto (leia aqui), é inconcebível atribuir à defesa o ônus de provar a presença de uma causa excludente da ilicitude. Ora, se cabe à acusação provar que estão presentes os elementos do crime em sua integralidade (fato típico, ilicitude e culpabilidade, segundo a teoria analítica tripartite), deve também demonstrar que não há causa que exclua algum desses elementos. Portanto, a defesa não tem o ônus de provar as excludentes do fato típico, da ilicitude ou da culpabilidade.
Analisando especificamente o elemento “primariedade”, a lógica probatória deve seguir a mesma linha que mencionei acima sobre as excludentes de ilicitude. Assim como se presume a inocência e o Ministério Público deve provar a presença da integralidade dos elementos do crime, a primariedade também é presumida, não cabendo à defesa prová-la, mas sim à acusação provar a ausência de primariedade, ou seja, a reincidência.
Com a adoção do princípio da presunção de inocência, duas consequências devem ser extraídas:
Em primeiro lugar, todos são presumidamente inocentes até o trânsito em julgado de uma decisão judicial condenatória. Da mesma forma, a primariedade deve ser presumida até que se prove a reincidência. É inconcebível exigir que se prove a primariedade, sob pena de se presumir indevidamente a reincidência, atribuindo o ônus de sua desconstituição à defesa.
Em segundo lugar, qualquer punição, aumento de penas ou obstáculo à diminuição qualitativa ou quantitativa das sanções demanda um ônus probatório exclusivo da acusação. Em outras palavras, o Ministério Público tem o ônus de provar que estão presentes os elementos do crime, as causas que elevem as penas (qualificadoras, agravantes e majorantes) e causas impeditivas da aplicação de alguma das hipóteses de redução da pena (privilegiadoras, atenuantes e minorantes).
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já entendeu que a primariedade não precisa ser provada pela defesa para a aplicação da minorante do art. 33, §4º, da Lei de Drogas, pois isso violaria o princípio do ‘in dubio pro reu”.
[…] no caso dos autos, as instâncias precedentes recusaram o pedido defensivo de incidência da minorante do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 sob o fundamento de inexistir prova da primariedade do acusado. Incorrendo, assim, numa indisfarçável inversão do ônus da prova e, no extremo, na nulificação da máxima que operacionaliza o direito à presunção de não culpabilidade: in dubio pro reu. Preterição, portanto, de um direito constitucionalmente inscrito no âmbito de tutela da liberdade do indivíduo. 3. Ordem parcialmente deferida para, de logo, reconhecer a incidência da minorante do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 e determinar ao Juízo de Direito da 4ª Vara Criminal de Campo Grande/MS que refaça, no ponto, a dosimetria da pena.
(HC 97.701, 2ª Turma, Rel. Min. Ayres Britto, j. 3-4-2012, DJE de 21-9-2012)