A ausência de poder de requisição

A ausência de poder de requisição

Uma das principais diferenças entre a condução de uma investigação por Delegado ou membro do Ministério Público e aquela presidida por um Advogado diz respeito ao poder de requisição das referidas autoridades públicas, o que facilita consideravelmente a obtenção de documentos, informações e outros elementos.

No art. 129, VI, da Constituição Federal, existe a previsão, como função institucional do Ministério Público, da possibilidade de expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva.

Por sua vez, a LC n. 75/93 apresenta várias hipóteses de poder de requisição. O art. 7º, II e III, prevê que incumbe ao Ministério Público da União, sempre que necessário ao exercício de suas funções institucionais, requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, podendo acompanhá-los e apresentar provas, assim como requisitar à autoridade competente a instauração de procedimentos administrativos, ressalvados os de natureza disciplinar, podendo acompanhá-los e produzir provas.

Em seguida, no art. 8º, II, III e IV, da referida Lei Complementar, observa-se que o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência:

  • requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta;
  • requisitar da Administração Pública serviços temporários de seus servidores e meios materiais necessários para a realização de atividades específicas;
  • requisitar informações e documentos a entidades privadas.

O art. 26, I, “b”, e II, da Lei n. 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), apresenta poderes semelhantes, como a possibilidade de instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los, requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, assim como requisitar informações e documentos a entidades privadas, para instruir procedimentos ou processo em que oficie.

Fora da legislação institucional do Ministério Público, o poder requisitório também está presente.

No Código de Processo Penal, o art. 47 prevê que, se o Ministério Público julgar necessários maiores esclarecimentos e documentos complementares ou novos elementos de convicção, deverá requisitá-los, diretamente, de quaisquer autoridades ou funcionários que devam ou possam fornecê-los.

Ainda no Código de Processo Penal, o art. 13-A prevê que, nos crimes previstos nos arts. 148, 149 e 149-A, no § 3º do art. 158 e no art. 159 do Código Penal, e no art. 239 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o membro do Ministério Público ou o Delegado de Polícia poderá requisitar, de quaisquer órgãos do poder público ou de empresas da iniciativa privada, dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos.

Em linha semelhante, o art. 13-B do CPP prevê, quanto aos crimes relacionados ao tráfico de pessoas, que o membro do Ministério Público ou o Delegado de Polícia poderão requisitar, mediante autorização, às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados – como sinais, informações e outros – que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso. Em seguida, no §4º, prevê que, não havendo manifestação judicial no prazo de 12 horas, a autoridade competente requisitará às empresas que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados, com imediata comunicação ao Juiz. Noutros termos, há previsão da necessidade de decisão judicial para a requisição prevista nesse dispositivo, mas, não havendo decisão no prazo de 12 horas, será possível a requisição diretamente.

Como se o poder de requisição não fosse suficiente, também há previsão de acesso a determinados dados, especialmente na Lei n. 12.850/2013 (Lei das Organizações Criminosas), que prevê, no art. 15, que o Delegado de Polícia e o Ministério Público terão acesso, independentemente de autorização judicial, apenas aos dados cadastrais que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito. Há previsão idêntica no art. 17-B da Lei n. 9.613/98.

Em seguida, no art. 16, prevê que as empresas de transporte possibilitarão, pelo prazo de 5 anos, acesso direto e permanente do juiz, do Ministério Público ou do Delegado de Polícia aos bancos de dados de reservas e registro de viagens.

Por fim, o art. 17 determina que as concessionárias de telefonia fixa ou móvel mantenham, pelo prazo de 5 anos, à disposição das autoridades mencionadas no art. 15 (Delegado de Polícia e Ministério Público), registros de identificação dos números dos terminais de origem e de destino das ligações telefônicas internacionais, interurbanas e locais.

O poder de requisição também se encontra previsto no art. 80 do Código de Processo Penal Militar, no sentido de que, sempre que, no curso do processo, o Ministério Público necessitar de maiores esclarecimentos, de documentos complementares ou de novos elementos de convicção, poderá requisitá-los, diretamente, de qualquer autoridade militar ou civil, em condições de os fornecer, ou requerer ao Juiz que os requisite.

No processo penal militar, o Superior Tribunal Militar já decidiu:

(…) O MPM dispõe de poder legal para, em qualquer fase da ação penal, requisitar informações diretamente às autoridades civis ou militares, independente de crivo judicial (art. 80 do CPPM). (…) (STM – Cparcfo: 1972 PE 2007.01.001972-6, Relatora: MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHA, Data de Julgamento: 09/04/2008, Data de Publicação: 30/04/2008 Vol: Veículo:)

Em relação à autoridade policial, há previsão específica no art. 2º, §2º, da Lei n. 12.830/2013, o qual prevê que, durante a investigação criminal, cabe ao Delegado de Polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos.

Nessa linha, o enunciado n. 14 do II Encontro Nacional de Delegados de Polícia sobre Aperfeiçoamento da Democracia e Direitos Humanos afirma o seguinte:

O poder requisitório do delegado de polícia, que abrange informações, documentos e dados que interessem à investigação policial, não esbarra em cláusula de reserva de jurisdição, sendo dever do destinatário atender à ordem no prazo fixado, sob pena de responsabilização criminal.

Por fim, apenas a título de complementação, o art. 218 do CPP prevê que o Juiz poderá requisitar à autoridade policial ou determinar que seja conduzida por oficial de justiça a testemunha que, regularmente intimada, deixar de comparecer sem motivo justificado.

Observa-se que o Delegado de Polícia e o Ministério Público possuem um amplo e significativo poder de requisição, o qual fortalece e facilita suas investigações. A extrema facilidade para obter informações, documentos, gravações e perícias constitui enorme vantagem na condução de uma investigação criminal.

Não raramente, para garantir o cumprimento da requisição, as autoridades inserem a informação de que o seu descumprimento constitui crime de desobediência (art. 330 do CP), na tentativa de provocar sentimento de desespero no destinatário, ocasionando pressão psicológica.

Aliás, já foi decidido pelo STJ que o poder de requisição do Promotor de Justiça pode ser exercido em relação a Delegado de Polícia, que, se não cumprir, poderá ser responsabilizado por crime de desobediência:

PROCESSUAL PENAL. DELEGADO DE POLÍCIA. DESCUMPRIMENTO DE REQUISIÇÃO DE PROMOTOR DE JUSTIÇA. SONEGAÇÃO DE DOCUMENTOS E DESOBEDIÊNCIA. AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA DE DOLO. TRANCAMENTO. REVOLVIMENTO FÁTICO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. (…) 2. Segundo doutrina de escol, o funcionário público pode ser sujeito ativo do crime de desobediência, desde que, como na espécie, não seja hierarquicamente subordinado ao emitente da ordem legal e tenha atribuições para cumpri-la. 3. O fato de o delito de desobediência estar inserido no capítulo dos ilícitos penais praticados por particular contra a administração pública não impede a sua consumação, porquanto haverá, em tal caso, violação ao princípio da autoridade que é objeto da tutela jurídica. (…) (STJ – RHC: 85031 DF 2017/0126784-4, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 19/10/2017, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/10/2017)

Na comparação com a investigação criminal defensiva conduzida por Advogado, as investigações presididas por Delegados ou membros do Ministério Público têm uma força coercitiva muito maior, mormente pelo poder de requisição e pela ideia de que o seu descumprimento configura o crime de desobediência.

Para equilibrar o jogo e produzir uma investigação frutífera, o Advogado precisará superar as dificuldades inerentes ao desenvolvimento de uma atividade privada desprovida de poder de requisição, fé pública e coerção, com o adicional de que a Advocacia é diuturnamente criminalizada por algumas autoridades.