O conceito de funcionário público para fins penais

Quando pensamos nos crimes contra a Administração Pública, é imprescindível analisar o conceito de funcionário público, previsto no art. 327 do Código Penal (CP).

Esse conceito dá pouca margem para que a defesa alegue que o agente não é funcionário público para fins penais.

Assim, abrange, por exemplo, qualquer pessoa que ocupe cargo (vínculo estatutário) ou emprego público (vínculo contratual) ou exerça função (termo residual que abrange qualquer outra relação na prestação de serviços públicos).

Da mesma forma, o art. 327 do CP abrange quem presta serviços transitórios ou sem remuneração, o que inclui, por exemplo, os jurados do tribunal do júri.

São exemplos de funcionários públicos para fins penais os exercentes de mandatos eletivos (vereadores, prefeitos, governadores, parlamentares etc.), estagiários de órgãos públicos e funcionários de cartório. Da mesma forma, juízes, promotores, defensores públicos, desembargadores, ministros, seus assessores, delegados, policiais, atendentes de órgãos públicos (Detran, por exemplo) etc.

Aliás, sobre magistrados, o STF já decidiu:

É possível a atribuição do conceito de funcionário público contida no art. 327 do CP a juiz federal. É que a função jurisdicional é função pública, pois consiste atividade privativa do Estado-juiz, sistematizada pela Constituição e normas processuais respectivas. Consequentemente, aquele que atua na prestação jurisdicional ou a pretexto de exercê-la é funcionário público para fins penais. (STF, RHC 103.559)

Por não preencherem os requisitos legais, não seriam funcionários públicos o administrador judicial de massa falida, o inventariante e o dirigente sindical. Assim, eventual subtração se valendo do cargo não seria peculato, mas sim crime diverso, como furto.

Destarte, como tese defensiva, é imprescindível que o advogado avalie se há alguma atividade prestada a algum Poder, entidade ou órgão público. Caso a função, apesar de ter relevância pública (ou até processual, como no caso do inventariante), trate apenas de interesses privados, ainda que coletivos (dirigente sindical), não há de se falar em funcionário público.

De qualquer sorte, o art. 327, §1º, do CP, apresenta como funcionários públicos equiparados aqueles que trabalham em entidades paraestatais ou empresas prestadoras de serviços contratadas ou conveniadas para a execução de atividade típica da Administração Pública.

Por sua vez, o art. 327, §2º, do CP, prevê o aumento da pena em um terço no caso de ocupante de cargo em comissão ou função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação. Esse aumento do rigor punitivo decorre da expectativa de maior responsabilidade de ocupantes desses cargos que pressupõem algum grau de confiança.

Sobre esse aumento, que ocorre na terceira fase da dosimetria da pena, é importante destacar que a defesa deve se manifestar sobre a relação funcional do réu. Aqui, recomenda-se uma análise do vínculo funcional do acusado, como forma de demonstrar, se for o caso, que o cargo ocupado por ele não se amolda às situações legais.

O STF já decidiu que essa causa de aumento de pena se aplica aos presidentes de Casas Legislativas:

Presidente da Câmara Legislativa. Peculato. Ausência de repasse das verbas descontadas. Exercício de função administrativa. Incidência da causa de aumento de pena do art. 327, § 2º, do CP. (…) É entendimento reiterado desta Corte que a causa de aumento de pena prevista no § 2º do art. 327 do CP se aplica aos agentes detentores de mandato eletivo que exercem, cumulativamente, as funções política e administrativa. (STF, RHC 110.513)

Por fim, destaca-se que o STF, na EP 22 ProgReg-AgR, decidiu que “é constitucional o art. 33, § 4º, do CP, que condiciona a progressão de regime, no caso de crime contra a administração pública, à reparação do dano ou à devolução do produto do ilícito”. A decisão não tem força vinculante, embora reflita orientação pacífica da jurisprudência.

De qualquer modo, a defesa precisa alegar que, se for impossível reparar o dano (diante da hipossuficiência financeira do apenado), deve ser deferida a progressão de regime da mesma forma, caso preenchidos os outros requisitos legais, porque entendimento diverso violaria o princípio da isonomia.