Direito Penal do inimigo: o inimigo dos direitos fundamentais

Em 1985, durante a Jornada de Penalistas Alemães, Günther Jakobs citou pela primeira vez, em tom crítico, a expressão “Feindstrafrecht“, referindo-se ao Direito Penal do inimigo. Posteriormente, Jakobs abandonou a crítica e começou a defender essa proposta penal.

Tem razão Dotti (2005, p. 11) quando afirma que “o chamado direito penal do inimigo é a ressurreição de uma concepção nazista sobre o ser humano”.

Nesse diapasão, uma das principais características do Direito Penal do inimigo é a separação entre cidadãos, que se sujeitam a princípios básicos do Direito Penal, e inimigos, que permanecem afastados dos direitos e garantias fundamentais conquistados ao longo de séculos.

Jakobs (2010, p. 51) faz questão de ressaltar aspecto subjetivo desse Direito Penal, que foca mais no agente do que no fato por ele praticado, quando afirma:

O fato de que as Leis identifiquem como aqueles que é preciso combater não aos terroristas, mas ao terrorismo de modo semelhante à luta contra a cólera ou o analfabetismo, não altera em nada os fatos: tratam-se de Leis penais, e a pena, como se sabe, não se aplica ao terrorismo, mas sim aos terroristas.

Conquanto algumas das bases do Direito Penal do inimigo, como a desproporcionalidade das penas e a flexibilização dos direitos fundamentais, já tenham integrado sistemas penais em momentos anteriores da história, o Direito Penal do inimigo tem como novidade a ideia de excepcionalidade no interior dos Estados Democráticos de Direito. As suas características já estiveram presentes em inúmeros Estados autoritários, mas não em Estados que respeitem e prevejam em suas Constituições os princípios básicos de um Direito Penal humanista.

Nesse diapasão, posso afirmar que a excepcionalidade do Direito Penal do inimigo também é o motivo de sua incompatibilidade com o Estado Democrático de Direito. Considero que uma diferenciação entre destinatários de normas jurídicas penais não tem compatibilidade com um Estado que tenha como pontos nevrálgicos a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais. Para se falar sobre dignidade da pessoa humana e igualdade, não podemos distinguir pessoas, tampouco considerar que algumas merecem um tratamento penal mais favorável em detrimento de outras, que são sacrificadas no âmbito do processo penal.

O Direito Penal do inimigo, ao escolher um inimigo do Estado, torna-se um inimigo dos direitos fundamentais, que são inseparáveis do modelo atual de Estado.

Para considerarmos o Direito Penal do inimigo minimamente legítimo, teríamos de considerar o Direito Penal como um meio de punição, e não como uma garantia contra punições irracionais. De certa forma, a mesma justificativa para o Direito Penal do inimigo, extremo punitivista, desconstituiria um obstáculo ao abolicionismo penal. As duas propostas se encontram no ponto em que, para serem defendidas, não podem considerar o Direito Penal como um instrumento que evita arbitrariedades e punições irracionais.

 

BIBLIOGRAFIA:

DOTTI, René Ariel. Movimento antiterror e a missão da magistratura. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2005.

JAKOBS, Günther. Terroristas como Pessoas de Direito? In: ______; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: noções e críticas. 4. ed. Organização e tradução de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 49-70.