É dever do Advogado levar os fatos investigados à autoridade?

É dever do Advogado levar os fatos investigados à autoridade?

Na condução de uma investigação criminal defensiva, não há garantia de que todos os elementos obtidos serão favoráveis ao cliente. Realizando inúmeras diligências, é possível que algumas sejam contrárias à versão defensiva e fortaleçam a narrativa acusatória.

Nessa situação, tem relevância o debate sobre (não) ser um dever do Advogado levar ao processo todos os fatos de que tiver conhecimento sobre o caso, ainda que contrários ao interesse do cliente.

Em que pese possa surgir alguma fundamentação de caráter ético, entendemos que não há suporte jurídico para impor ao Advogado o dever de prejudicar o cliente, levando aos autos oficiais todos os resultados obtidos na investigação criminal defensiva. Essa também foi a linha seguida pelo art. 6º do Provimento n. 188/2018 do Conselho Federal da OAB, que diz: “O advogado e outros profissionais que prestarem assistência na investigação não têm o dever de informar à autoridade competente os fatos investigados”.

Na doutrina, esse também é o entendimento de Oliveira (2008, p. 65), ao afirmar que “não podemos perder de vista que o arguido não está obrigado a oferecer às autoridades judiciárias quaisquer meios de prova que tenha obtido”.

Por meio da procuração, o Advogado assume o compromisso de não prejudicar o cliente e fazer tudo que for legalmente permitido para melhorar sua situação em um processo. Violaria a confiança inerente à relação entre Advogado e cliente exigir daquele uma postura de “fiscal” dos fatos de que tiver conhecimento.

É papel do Advogado orientar o investigado/réu e atuar de modo a evitar a autoincriminação, salvo nos casos em que o cliente quiser adotar uma postura que pressuponha a confissão, que poderá viabilizar um acordo de não persecução penal, a formalização de uma colaboração premiada ou a aplicação da atenuante da confissão espontânea.

Seria uma deficiência defensiva – quiçá uma falta de defesa – a conduta do causídico que, querendo colaborar com as autoridades, levasse aos autos, sem o consentimento do cliente, declarações que obteve durante a tramitação da investigação criminal defensiva.

Ademais, não sendo possível exigir do investigado ou réu a autoincriminação, também não seria cabível impor ao seu Advogado que apresente às autoridades os elementos prejudiciais ao seu cliente.

Nesse diapasão, o Advogado deverá fazer um filtro de tudo que integra a investigação defensiva antes de requerer a juntada aos autos oficiais, utilizando apenas os elementos que tenham reais vantagens para o cliente e que não o prejudiquem, ainda que indiretamente.

Considerando que é possível que o Advogado descarte integralmente os resultados da investigação defensiva, não os utilizando nos autos oficiais, também é possível que utilize apenas uma parte da investigação particular. Assim, em uma investigação criminal defensiva com perícias, vários depoimentos, fotografias e documentos, pode-se utilizar apenas um depoimento, desconsiderando todo o resto.

Destarte, de acordo com a aferição da possibilidade de contribuir para a estratégia defensiva adotada, o Advogado poderá levar para os autos oficiais um, alguns ou todos os elementos obtidos na investigação criminal defensiva.

Observa-se que a vantagem estratégica da instauração e condução de uma investigação defensiva é a possibilidade de antecipar os resultados que somente seriam produzidos diretamente na persecução penal, quando o desentranhamento não seria mais possível. Produzindo os elementos na investigação defensiva, será possível deliberar sobre levar aos autos oficiais os resultados favoráveis e descartar os desfavoráveis.

Referência:

OLIVEIRA, Francisco da Costa. A defesa e a investigação do crime. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2008.