Em outros textos, abordei a falta grave na execução penal (clique aqui, aqui, aqui e, principalmente, aqui).
Neste texto, analisarei um ponto específico: qual é o valor das palavras do agente penitenciário no reconhecimento da prática de uma falta grave? Em outras palavras, se o agente penitenciário é a única testemunha no PAD, é possível reconhecer a falta grave, aplicando ao apenado as sanções disciplinares (alteração da classificação do comportamento carcerário, por exemplo) e judiciais (regressão de regime, alteração da data-base e perda de até 1/3 dos dias remidos, por exemplo)?
Sobre esse tema, a lógica jurisprudencial é semelhante ao entendimento que aceita a condenação do réu no processo penal com base exclusivamente em relatos de policiais.
Na apuração da falta grave no âmbito da execução penal, há pouca preocupação (administrativa e judicial) com a produção de provas. Na verdade, em quase todos os procedimentos, há apenas o interrogatório do apenado acusado de ter praticado a falta, além da juntada de cópia de alguma página dos livros do estabelecimento prisional (principalmente quando, após a chamada, percebe-se que o apenado fugiu ou não retornou da saída temporária ou do trabalho externo) e da oitiva de algumas pessoas, normalmente agentes penitenciários e, raramente, outros apenados. Aliás, mesmo em caso de apreensão de aparelho celular, a jurisprudência se manifesta pela desnecessidade de prova pericial que reconheça o seu funcionamento.
Ademais, assim como no processo penal, há, na apuração de falta grave no âmbito da execução penal, uma supervalorização da prova testemunhal.
Por derradeiro, em muitos casos, os agentes penitenciários são as únicas pessoas que presenciam as faltas ou que querem/podem depor sem pressões, considerando que muitos apenados “não querem se envolver” (é comum que digam que não presenciaram o fato para evitar que sejam vistos como “alcaguetes”) ou são parciais (por serem de facção rival).
Por esses motivos, os Juízes e Tribunais aceitam os relatos dos agentes penitenciários sem reservas, salvo quando há algum motivo grave para duvidar da integridade dos relatos do agente, como, por exemplo, a existência de um conjunto probatório em sentido contrário ou fatos que demonstrem o mero interesse de prejudicar o apenado.
Seguindo a tese da validade dos relatos dos agentes penitenciários, foi publicado ontem um acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o qual trago à colação:
AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL – DECISÃO A QUO DESCLASSIFICATÓRIA QUANTO AO RECONHECIMENTO DE FALTA GRAVE – IDENTIFICAÇÃO DE FALTA MÉDIA – RECURSO MINISTERIAL VISANDO À REFORMA DO R. DECISUM – PROVIMENTO IMPERATIVO – CONFIGURAÇÃO DE FALTA GRAVE – VIOLAÇÃO AO ART. 39, INCISOS II E V, DA LEI DE EXECUCOES PENAIS – INTELIGÊNCIA DO ART. 50, INC. VI, DO MESMO DIPLOMA LEGAL – APLICAÇÃO DOS CONSECTÁRIOS LEGAIS. – Comprovado mediante procedimento administrativo que o reeducando desrespeitou imotivadamente a ordem dada pelo agente público responsável pela segurança no ambiente prisional, não há como deixar de reconhecer a prática de falta grave, nos termos do art. 39, incisos II e V, c/c art. 50, inc. VI, todos da LEP, com a ressalva de que o depoimento prestado pelo funcionário goza de fé pública – A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que a competência para a apuração do cometimento de falta disciplinar grave é da autoridade administrativa responsável pela gestão do estabelecimento prisional, conforme encerrado no Recurso Especial Repetitivo de nº 1.378.557/RS. Dessa feita, pelo menos em regra, é vedado ao Juiz da Execução se imiscuir sobre o mérito da questão disciplinar a ele submetida, devendo sua atuação se ater à aplicação das sanções de sua competência previstas em lei – O reconhecimento da falta grave implica na regressão do regime carcerário, na alteração da data-base para futuros benefícios e na perda dos dias remidos, consoante orientação remansosa do Superior Tribunal de Justiça.
(TJ-MG – AGEPN: 10079170049294002 MG, Relator: Catta Preta, Data de Julgamento: 06/11/0018, Data de Publicação: 21/11/2018)
No caso em comento, apurava-se a falta grave consistente no descumprimento de ordem dada por agente penitenciário. Para o Tribunal de Justiça, o depoimento prestado pelo agente – funcionário público – goza de fé pública. Em suma, presume-se que os seus relatos são verdadeiros, salvo prova em sentido contrário.
Assim, no papel defensivo, é necessário analisar se há alguma animosidade entre o agente penitenciário e o apenado. Também é relevante demonstrar por outras provas que o fato não ocorreu ou, se ocorreu, teve uma justa causa (ex.: fugiu em razão de graves ameaças).