O “peso” da prova testemunhal e a distribuição do ônus da prova

O “peso” da prova testemunhal e a distribuição do ônus da prova

Ainda que não exista, no processo penal brasileiro, uma prova que dispense a valoração de todas as outras, é inegável que se utiliza excessivamente a prova testemunhal, a qual, em razão das falsas memórias, das influências indevidas e da forma de inquirir, pode ser facilmente manipulada.

A indevida distribuição do ônus da prova – em alguns casos atribuído diretamente à defesa – também é um problema que precisa ser superado doutrinária e jurisprudencialmente ou, no mínimo, precisa de contornos que facilitem o cumprimento dessa incumbência, como a possibilidade de realizar a investigação criminal defensiva.

Em relação aos crimes patrimoniais, por exemplo, é frequente o entendimento jurisprudencial de que, sendo o agente encontrado na posse do objeto, cabe a ele provar sua inocência. Noutros termos, inverte-se o ônus da prova em prejuízo do réu.

APELAÇÃO-CRIME. ROUBO SIMPLES. TENTATIVA. 1. ÉDITO CONDENATÓRIO. MANUTENÇÃO. (…) Apreensão da “res furtivae” em poder do agente, logo após a prática subtrativa, é situação que faz gerar presunção de autoria, com a inversão do “onus probandi”, cumprindo ao flagrado o encargo de comprovar a licitude da posse (art. 156 do CPP), ônus do qual não se desincumbiu a contento. (…) APELO IMPROVIDO. DE OFÍCIO, CORRIGIDO ERRO MATERIAL HAVIDO NO DISPOSITIVO DA SENTENÇA PARA CONSTAR QUE O ACUSADO RESTOU CONDENADO NOS LINDES DO ART. 157, CAPUT, C/C ART. 14, II, AMBOS DO CP. (Apelação Crime Nº 70070553458, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relatora: Fabianne Breton Baisch, Julgado em 14/12/2016)

Em determinados casos, como crimes sexuais e aqueles relativos à violência doméstica e familiar contra a mulher (Lei n. 11.340/2006 – Lei Maria da Penha), consolidou-se o entendimento de que a palavra da vítima tem especial valor, caso não existam elementos que demonstrem, por exemplo, o interesse em prejudicar o réu. Não se trata de uma inversão no ônus da prova, mas consiste em uma facilidade para a acusação.

(…)

IV – Em crimes cometidos na clandestinidade, sem a presença de qualquer testemunha, a palavra da vítima assume especial relevância como meio de prova, nos termos do entendimento desta eg. Corte.

(…)

(RHC 119.097/MG, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 11/02/2020, DJe 19/02/2020)

Também devemos considerar que, em muitos casos, as palavras dos policiais (inclusive aqueles que efetuaram a prisão em flagrante) adquire grande relevância na formação da convicção do julgador. Inúmeros fatores contribuem para isso, como o fato de serem servidores públicos, a autoridade transmitida pelos uniformes, a experiência como testemunhas e, não raramente, a vontade do julgador de não se indispor em relação a eles.

(…) IV – O depoimento dos policiais prestado em Juízo constitui meio de prova idôneo a resultar na condenação do réu, notadamente quando ausente qualquer dúvida sobre a imparcialidade dos agentes, cabendo à defesa o ônus de demonstrar a imprestabilidade da prova, o que não ocorreu no presente caso. Precedentes.

(…)

(HC 471.082/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 23/10/2018, DJe 30/10/2018)

Para arrematar, a prova testemunhal, se confrontada com o interrogatório do réu, tem um peso maior na prática. Assim, se a vítima ou uma testemunha afirmar que o réu praticou o crime, mas este negar em seu interrogatório, é provável que seja prolatada uma sentença condenatória, caso não existam outras provas que confirmem a narrativa defensiva.

A supervalorização da prova testemunhal pode ser fruto da ainda tímida e precária utilização de provas periciais. Apenas recentemente foi intensificada a preocupação quanto às provas técnicas/periciais, notadamente por meio da Lei n. 13.964/2019 (Lei Anticrime), que instituiu:

  • a regulamentação da cadeia de custódia (arts. 158-A, 158-B, 158-C, 158-D, 158-E e 158-F do CPP);
  • uma disciplina maior dos bancos de perfis genéticos (art. 9º-A da LEP);
  • a regulamentação da captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos (art. 8º-A da Lei n. 9.296/96);
  • a criação do Banco Nacional de Perfis Balísticos (art. 34-A do Estatuto do Desarmamento);
  • a autorização da criação, no Ministério da Justiça e Segurança Pública, do Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais (art. 7º-C da Lei n. 12.037/2009).

A utilização da investigação criminal defensiva pode servir como instrumento de combate às afirmações das testemunhas e, ao mesmo tempo, como cenário de obtenção de elementos técnicos/periciais que fundamentem a versão defensiva.