STJ: associação para o tráfico não pode ser presumida (Informativo 753)

STJ: associação para o tráfico não pode ser presumida (Informativo 753)

No HC 739.951-RJ, julgado em 09/08/2022, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que “o fato de o flagrante do delito de tráfico de drogas ter ocorrido em comunidade apontada como local dominado por facção criminosa, por si só, não permite presumir que os réus eram associados (de forma estável e permanente) à referida facção, sob pena de se validar a adoção de uma seleção criminalizante norteada pelo critério espacial e de se inverter o ônus probatório, atribuindo prova diabólica de fato negativo à defesa”.

Informações do inteiro teor:

No caso, os elementos relativos à estabilidade e à permanência, exigidos para a configuração do crime de associação para o tráfico, foram deduzidos da apreensão de significativa quantidade de drogas e de petrechos comuns na prática da narcotraficância, quando da realização de operação na comunidade, além dos depoimentos policiais atestando que seria notória a existência de facção criminosa na localidade e que não seria possível que os acusados estivessem ali sem prévia associação com os demais integrantes da referida facção.

Ocorre que não houve investigação prévia ou qualquer elemento de prova capaz de apontar que os acusados estavam associados, de forma estável (sólida) e permanente (duradoura), entre si ou a outrem. Não foi indicada a existência de alvos específicos na citada operação policial nem sequer mencionado o lapso temporal durante o qual os agentes supostamente estavam associados ou quais seriam as suas funções no grupo.

Não se pode referendar uma condenação por associação para o tráfico pautada apenas em ilações a respeito do local em que apreendidas as drogas etiquetadas e os petrechos comumente utilizados na endolação de entorpecentes, pois isso equivaleria a validar a adoção de uma seleção criminalizante norteada pelo critério espacial, em que as vilas e favelas são mais frequentemente percebidas como “lugares de tráfico”, em razão das representações desses espaços territoriais como necessariamente associados ao comércio varejista de drogas, conforme apontam os crescentes estudos a respeito do espaço como elemento da seletividade penal, especialmente em crimes dessa natureza. Admitir-se que o simples fato de o flagrante ter ocorrido em comunidade dominada por facção criminosa – e não em outros locais da cidade – comprove, ipso facto, a prática do crime em comento significa, em última instância, inverter o ônus probatório e atribuir prova diabólica de fato negativo à defesa, pois exige-se, de certo modo, que o acusado comprove que não está envolvido com facção criminosa.

Nessa conjuntura e considerando a jurisprudência desta Corte Superior sobre o tema, conclui-se que foi demonstrada tão somente a configuração do delito de tráfico de drogas, deixando a jurisdição ordinária de descrever objetivamente fatos que demonstrassem o dolo e a existência objetiva de vínculo estável e permanente entre agentes. Por isso, mostra-se indevida a condenação pelo crime de associação para o tráfico de drogas, no qual o sistema acusatório impõe o ônus de que seja declinada a configuração do elemento subjetivo do tipo, com “a demonstração concreta da estabilidade e da permanência da associação criminosa” (HC 462.888/RJ, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 05/11/2018). 

Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) –  Edição 753 – leia aqui.