A dupla crise de confiança no Direito Penal

Sempre houve uma constante crise de confiança no Direito Penal a partir do senso comum. Popularmente, acreditava-se que havia impunidade, que o Direito Penal não punia adequadamente ou que no Brasil tudo se resolvia em “cesta básica”, referência a uma das penas restritivas de direito.

A população em geral, com exceção dos detentores do conhecimento jurídico, vivia em estado de anomia, como se as normas penais atuais não fossem aplicadas ou não existissem normas suficientes.

Surge, agora, um novo fator de crise de confiança no Direito Penal e Processual Penal: a crise dos institutos e da doutrina. Não é uma desconfiança que atinge os leigos, popularmente dominados por estímulos midiáticos de medo. Essa desconfiança nasce e se consolida a partir dos iniciados na área jurídica, aqueles que possuem algum conhecimento básico sobre o Direito.

Acredito, assim, haver uma dupla crise de confiança no Direito Penal:

– por um lado, a ausência de confiança no Direito Penal por parte da população, em virtude da influência midiática que, por meio de notícias amedrontadoras, afirma que o Estado e as suas normas são insuficientes para conter os crimes;

– por outro lado, constata-se a falta de confiança por parte parte da comunidade jurídica (acadêmica e profissional), que tem presenciado a intensificação do abandono das lições doutrinárias, aliada a uma indevida flexibilização/violação dos direitos e garantias fundamentais. Portanto, tem-se fortalecido a “jurisprudência do caso concreto”.

Essa dupla crise de confiança resulta em um ciclo de difícil saída. A população, acostumada com o Direito Penal como “prima” ou “sola ratio”, sente-se frustrada ao presenciar que o aumento de normas penais e o fortalecimento do meio de controle mais gravoso não diminuem a ocorrência dos crimes, mas apenas geram a banalização, por uso excessivo e desnecessário, do Direito Penal.

Por sua vez, há um desestímulo dos atores jurídicos preocupados com a preservação dos direitos fundamentais, pois se observa uma força quase exclusiva da jurisprudência em detrimento da tradição doutrinária, além de constantes, significativas, reiteradas e impactantes violações de preceitos constitucionais e legais.

Banalizado para uns, violado para outros… poucos ainda confiam no Direito Penal. Com isso, surgem e ganham força novas teses: abolicionismo, minimalismo, direito de intervenção (Hassemer) etc. O futuro do Direito Penal está entre sua reconstrução e sua falência.