Uma investigação imparcial para fins parciais

Uma investigação imparcial para fins parciais

A investigação criminal defensiva, apesar de ser instaurada e conduzida pelo Advogado, pode/deve ter um caráter imparcial, objetivando uma finalidade parcial.

Explico: diferentemente do inquérito policial, que normalmente investiga de acordo com os interesses da acusação, a investigação defensiva deve abranger todos os caminhos possíveis, ainda que aparentemente sejam prejudiciais ao cliente.

Parece contraditório, mas a postura de investigar todas as versões possíveis pode evitar surpresas no inquérito policial ou no processo penal.

Alguns clientes, por vergonha, medo ou qualquer outro motivo, omitem ou alteram informações de seus Advogados. Além da vergonha por eventual fato constrangedor, o medo de que o Advogado vaze a informação também contribui para essas omissões/alterações fáticas, de forma deliberada ou não.

Nesse diapasão, não é raro que o Advogado, seguindo a versão apresentada pelo cliente, seja surpreendido com algum depoimento ou documento que prove exatamente o contrário. Eventual sentimento de traição e quebra de confiança é irrelevante se comparado com o prejuízo que isso poderá gerar para o investigado/réu.

Portanto, embasar uma estratégia/tese apenas na versão apresentada pelo cliente é um risco que não devemos correr. Deve-se perguntar a ele, por exemplo:

  • o que pode surgir na investigação?
  • alguém viu ou sabe o que aconteceu?
  • existe alguma prova que tem o condão de desconstituir a versão defensiva apresentada?

Ademais, não se deve confiar totalmente nas respostas do cliente. Após a instauração da investigação defensiva, não se pode desconsiderar a existência de elementos que prejudiquem a versão do réu e eventualmente possam ser juntados ao processo pela parte contrária, ainda que a defesa não tenha o dever de levar tais elementos aos autos oficiais (não é exigida a autoincriminação).

Destarte, a investigação defensiva deve ser imparcial para seguir todas as linhas possíveis e considerar tudo que poderá ser objeto de investigação ou instrução pela autoridade policial ou pela acusação.

Por outro lado, a imparcialidade é limitada à investigação. Após a obtenção dos elementos possíveis, o Advogado deverá retornar ao seu papel de procurador do réu e avaliar qual é a melhor estratégia possível, considerando o arcabouço probatório de que tem conhecimento e que integra a investigação oficial e a presidida pela defesa.

Carnelutti (2009, p. 54) pontua que:

(…) o defensor não é um raciocinador imparcial. E é isto o que escandaliza a gente. Apesar do escândalo, o defensor não é imparcial porque não deve sê-lo. E porque não é imparcial o defensor, tampouco pode ser nem deve ser imparcial seu adversário. A parcialidade deles é o preço que se deve pagar para obter a imparcialidade do juiz, que é, pois, o milagre do homem, uma vez que, conseguindo não ser parte, supera-se a si mesmo. O defensor e o acusador devem buscar as premissas para chegar a uma conclusão forçada.

Logo, conclui-se que a investigação defensiva deve ser conduzida de forma imparcial, considerando tudo que eventualmente poderá ser encontrado pela polícia ou pela acusação, mas sem perder de vista a finalidade parcial, que é levar aos autos oficiais apenas o que beneficie o acusado e montar argumentos que eventualmente consigam rebater aquilo que o prejudique.

Referência:

CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Trad. Carlos Eduardo Trevelin Millan. São Paulo: Editora Pilares, 2009.