Limites da investigação defensiva

Limites da investigação defensiva

De início, observamos um limite à realização da investigação criminal defensiva: a reserva de jurisdição.

Segundo Rangel (1997, p. 27):

(…) com o estabelecimento de uma reserva pretende justamente garantir-se que o órgão político-constitucionalmente pensado para se desimcumbir de uma certa função, o faça efectivamente (e sem interferência de outro órgão). Trata-se, pois, de uma técnica normativa destinada a revigorar a idéia de separação dos poderes e onde, melhor do que em quaisquer outras, se verifica o fenômeno da contaminação material das normas organizatórias, por isso que se liga incidivelmente o domínio de uma matéria determinada à estruturação de um certo órgão.

No processo penal, a reserva de jurisdição normalmente funciona como um limite à atuação da autoridade policial e do Ministério Público, por meio da exigência de autorização judicial para determinados atos.

Há inúmeras hipóteses que necessitam de decisão judicial no Código de Processo Penal:

  • art. 13-B.  Se necessário à prevenção e à repressão dos crimes relacionados ao tráfico de pessoas, o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia poderão requisitar, mediante autorização judicial, às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados – como sinais, informações e outros – que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso;
  • art. 13-B, § 2o  Na hipótese de que trata o caput, o sinal: I – não permitirá acesso ao conteúdo da comunicação de qualquer natureza, que dependerá de autorização judicial, conforme disposto em lei; (…) III – para períodos superiores àquele de que trata o inciso II, será necessária a apresentação de ordem judicial;
  • a homologação de acordo de não persecução penal (art. 28-A, §6º, do CPP);
  • o descarte de vestígios relacionados à cadeia de custódia (art. 158-B, X, do CPP);
  • a restituição de coisas apreendidas, quando duvidoso o direito (art. 120, §1º, do CPP). Não existindo dúvida quanto ao direito do reclamante, a restituição poderá ser ordenada pela autoridade policial ou Juiz (art. 120 do CPP);
  • a inutilização de uma prova declarada inadmissível (art. 157, §3º, do CPP);
  • a incomunicabilidade do indiciado, que não excederá de três dias (art. 21, parágrafo único, do CPP);
  • a declaração da extinção da punibilidade (art. 61 do CPP);
  • a decisão sobre a suspeição de membro do Ministério Público (art. 104 do CPP);
  • a decisão sobre a suspeição de peritos, intérpretes, serventuários ou funcionários da justiça (art. 105 do CPP);
  • o sequestro de bens (art. 127 do CPP);
  • a determinação de avaliação e venda dos bens em leilão público cujo perdimento tenha sido decretado (art. 133 do CPP);
  • a utilização do bem sequestrado, apreendido ou sujeito a qualquer medida assecuratória para interesse público (art. 133-A do CPP);
  • a determinação da alienação antecipada de bens (art. 144-A do CPP);
  • a decisão sobre a falsidade de um documento (arts. 145 e 147 do CPP);
  • a condução de testemunha que, regularmente intimada, deixou de comparecer sem motivo justificado (art. 218 do CPP);
  • a decretação de medidas cautelares, a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público (art. 282, §2º, do CPP);
  • decretar a prisão preventiva, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial (art. 311 do CPP), bem como revogá-la (art. 316 do CPP).

Em outras leis, também constatamos atos que dependem de autorização judicial:

  • a liberação do acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético, em caso de requerimento de autoridade policial, federal ou estadual (art. 9º-A, §2º, da LEP);
  • a infiltração por agentes de polícia (art. 53, I, da Lei de Drogas, e art. 10 da Lei de Organizações Criminosas);
  • determinar a apreensão e outras medidas assecuratórias nos casos em que haja suspeita de que os bens, direitos ou valores sejam produto do crime ou constituam proveito dos crimes previstos na Lei de Drogas (art. 60);
  • a interceptação de comunicações telefônicas (art. 1º da Lei de Interceptações);
  • a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos (art. 8º-A da Lei de Interceptações);
  • a decretação da prisão temporária (art. 2º da Lei n. 7.960/89).

Por fim, a Constituição Federal, no art. 5º, apresenta três hipóteses de reserva de jurisdição:

XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

Tratando-se de ato abrangido pela reserva de jurisdição, o Advogado poderá requerer ao Juiz nos autos oficiais (inquérito policial ou processo). Poderia, por exemplo, requerer ao Juiz a busca e apreensão domiciliar, nos termos do art. 242 do CPP.

Ademais, também existem limitações de ordem material ou financeira. Como muito bem destaca Bulhões (2019, p. 97):

Não há como olvidar, nessa ótica, o custo econômico inerente às medidas e às diligências necessárias a uma investigação defensiva, sendo certo que existem várias ferramentas de baixo custo, enquanto que outras são extremamente custosas (por exemplo a contratação dos serviços de detetives particulares e a consulta a determinados bancos de informações).

Recomenda-se que o contrato de prestação de serviços advocatícios tenha cláusula expressa sobre quem é o responsável (cliente ou Advogado) pelas despesas inerentes à condução da investigação criminal defensiva, que podem abranger, por exemplo:

  • contratação de terceiros, como detetives particulares e fotógrafos;
  • contratação de empresas especializadas em pesquisas;
  • perícias e exames médicos;
  • atas notariais;
  • deslocamentos a outras cidades;
  • obtenção de documentos.

Ainda que a investigação criminal defensiva tenha muitas limitações constitucionais/legais e materiais, há uma enorme margem de atuação por meio de atos permitido ou não proibidos e que geram custos ínfimos ou inexistentes.

Referências:

BULHÕES, Gabriel. Manual prático de investigação defensiva: um novo paradigma na advocacia criminal brasileira. Florianópolis, SC: EMAIS, 2019.

RANGEL, Paulo Castro. Reserva de Jurisdição, sentido dogmático e sentido jurisprudencial. Porto: Universidade Católica Editora, 1997.