Superando algumas dificuldades na investigação criminal defensiva

Superando algumas dificuldades na investigação criminal defensiva

Os atos da investigação criminal defensiva não possuem fé pública, não tendo, por conseguinte, presunção de veracidade. Ademais, o Advogado também tem como limites a reserva de jurisdição e a ausência de coerção e de poder de requisição.

No inquérito policial, os atos dos policiais têm fé pública e, na prática, seus depoimentos possuem um peso maior na instrução processual, ainda que, frequentemente, sejam interessados no êxito da acusação, o que ocorre, v. g., quando efetuaram a prisão em flagrante e há questionamentos defensivos sobre a ilegalidade do ato e eventual abuso de autoridade.

Observa-se, assim, uma contradição: os atos do Advogado não possuem fé pública, mas os dos policiais, mesmo quando interessados em determinada versão acusatória para que não sofram responsabilização criminal por alguma ilegalidade, possuem fé pública e seus depoimentos adquirem especial relevância para os Juízes. Essa contradição somente é superada pelo fato de que o Advogado é um particular, ao passo que os policiais são agentes públicos.

Em alguns casos, para tentar superar esse prejuízo na investigação defensiva, é recomendável utilizar a ata notarial, que, como é sabido, tem um custo elevado. Essa prática já é utilizada para atribuir a presunção de veracidade a conversas em aplicativos e postagens em redes sociais.

Nas lições de Bulhões (2019, p. 116):

Uma hipótese muito útil é a ata notarial de verificação de fatos em diligência, quando se poderá registrar situações as mais diversas. Um exemplo pode ser a escuta de uma ligação telefônica feita em “modo viva-voz”, onde o teor do diálogo será registrado, além dos números telefônicos da chamada discada e recebida, a hora e o dia de realização do telefonema, etc.

Ademais, Bulhões (2019, p. 116) também fala sobre transformar em ata notarial a declaração feita por uma pessoa na presença do tabelião, o que poderia atribuir credibilidade aos atos praticados no contexto da investigação criminal defensiva.

Urge destacar que o art. 384, parágrafo único, do Código de Processo Civil, disciplina a utilização e o objeto da ata notarial:

Art. 384. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião.

Parágrafo único. Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial.

No caso específico de prints, a utilização de uma ata notarial pode ser complementada pela realização de uma perícia que tenha o escopo de afirmar que a conversa ou postagem não foi adulterada.

Insta destacar, ainda, o teor do art. 425, IV e VI, do Código de Processo Civil:

Art. 425. Fazem a mesma prova que os originais:

(…)

IV – as cópias reprográficas de peças do próprio processo judicial declaradas autênticas pelo advogado, sob sua responsabilidade pessoal, se não lhes for impugnada a autenticidade;

(…)

VI – as reproduções digitalizadas de qualquer documento público ou particular, quando juntadas aos autos pelos órgãos da justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pela Defensoria Pública e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas em geral e por advogados, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração.

A validade das sobreditas cópias e reproduções digitalizadas como provas originais, quando declaradas ou juntadas por Advogado, constitui uma facilidade para a utilização dos resultados das investigações criminais defensivas.

Outra solução para as dificuldades inerentes à investigação criminal defensiva consiste em requerer ao Juiz, nos autos oficiais, que expeça ofícios, no exercício do poder de requisição, para obter documentos ou informações.

Ressalta-se que há decisões reconhecendo essa possibilidade, inclusive com expressa menção de que se trata de medida que tem o desiderato de garantir a paridade de armas, haja vista que o réu e seu Advogado não possuem os mesmos poderes de requisição do Parquet. Nesse sentido:

(…) A expedição de ofícios às repartições públicas, como a Receita Federal e o Detran, e também às empresas privadas, a exemplo das companhias telefônicas, pelo Poder Judiciário, com o intuito de obter informações acerca do endereço de testemunha arrolada pelo réu no processo penal, é medida imprescindível que consagra os mais nobres princípios processuais penais, como o da ampla defesa, do contraditório e da busca da verdade real, além de garantir a simétrica paridade de armas com o órgão acusador, pois o acusado não possui os mesmos poderes requisitórios do Ministério Público (…) (TJ-MG – COR: 10000180963357000 MG, Relator: Otávio Portes, Data de Julgamento: 04/11/2019, Data de Publicação: 08/11/2019)

(…) 2 A despeito disso, uma vez instaurada a ação penal, o juiz continua sendo o responsável pela direção dos trabalhos, competindo-lhe, dentre outras atribuições, a de requisitar documentos a partir do requerimento das partes. Trata-se de uma consequência do princípio da paridade de armas, considerando que o réu, por seu defensor, não dispõe do mesmo poder de requisição. (…) (TJ-PA – MS: 201330146453 PA, Relator: PAULO GOMES JUSSARA JUNIOR – JUIZ CONVOCADO, Data de Julgamento: 08/11/2014, CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS, Data de Publicação: 11/11/2014)

Também nos autos oficiais, é possível utilizar o art. 242 do CPP, que prevê: “a busca poderá ser determinada de ofício ou a requerimento de qualquer das partes.”

Havendo necessidade de realizar uma busca domiciliar e eventual apreensão, o Advogado poderá requerer ao Juiz, utilizando como fundamento específico o art. 240, §1º, “e”, in fine, do CPP. Noutras palavras, será cabível a busca domiciliar quando fundadas razões a autorizarem, para descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu.

No requerimento, o Advogado deverá utilizar como parâmetro para detalhamento e fundamentação o art. 243 do CPP, mormente quanto à indicação, da forma mais precisa possível, da casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador, mencionando, ainda, o motivo e os fins da diligência.

Referência:

BULHÕES, Gabriel. Manual prático de investigação defensiva: um novo paradigma na advocacia criminal brasileira. Florianópolis, SC: EMAIS, 2019.