Precisamos falar sobre a execução penal!

A execução penal é um dos tabus no Brasil. Políticos não querem tratar do sistema prisional, diante do risco de serem considerados “defensores de direitos humanos” e “alheios à segurança pública”. Os meios de comunicação apenas se preocupam com o sistema prisional quando algum preso famoso requer progressão de regime ou ocorre algum massacre, como aqueles que ocorreram em Manaus.

Trata-se de um dos maiores problemas do Brasil, haja vista o número absurdo de presos, os crimes que ocorrem no interior do cárcere e as infrações penais decorrentes de “cumprimento de favores” impostos por facções que “acolhem” apenados nos estabelecimentos prisionais.

Entretanto, ainda assim, defender uma melhora no sistema prisional não encontra um consenso básico na sociedade. A defesa da saúde, da educação e do trabalho, assim como o aumento do rigor punitivo em relação à corrupção e ao estupro, são propostas unânimes em relação aos indivíduos soltos. No que concerne aos apenados, postular que tenham atendimento médico, o fornecimento dos meios para obterem a remição da pena (estudos e trabalho), a retomada do controle estatal no cárcere – como forma de diminuir a influência das extorsões por meio de facções – e o respeito à integridade física, psicológica e sexual não é algo tão fácil. Os mesmos direitos são defendidos de forma unânime para os soltos, mas imaginados de um jeito tímido para os presos.

Ademais, quando se fala em melhora no sistema prisional, discute-se sempre a alteração legislativa, quando, na verdade, o nosso modelo legal é bom, apesar de alguns equívocos legislativos. Invocam a necessidade de reforma da LEP, mas nunca a aplicamos integralmente. Apesar da aplicação zelosa das normas que disciplinam deveres dos presos ou estabelecem punições por falta grave (regressão de regime, perda dos dias remidos etc.), os direitos geralmente não são reconhecidos da forma e nos prazos legais.

Por trás do nosso modelo, temos a lógica do incentivo ao trabalho e ao estudo, para que o apenado tenha condições de, após o fim da pena – ou em caso de serviço externo -, readaptar-se mais rapidamente a uma rotina que o mantenha longe da prática de crimes. Entrementes, trabalho e estudos, com a recompensa da remição da pena, são inviabilizados pela inércia estatal em criar ou proporcionar vagas de trabalho e mecanismos de ensino, ainda que informal.

Muitos autores escrevem dezenas de páginas sobre a correlação entre denúncia e sentença, mas quantos tratam da correlação entre sentença condenatória e execução da pena? Por que ainda são tão tímidos os debates e, principalmente, as críticas sobre a colocação do apenado em regime diverso daquele definido na sentença, em razão da falta de vagas no regime determinado?

Por que a discussão sobre o regime semiaberto ainda ocorre por meio da dicotomia “mantê-lo x excluí-lo”? O regime semiaberto é um dos mais problemáticos, mas pouco se fala sobre ele.

E a revista íntima nos presídios? A Lei 13.271/2016, de forma estranha, tem uma ementa que fala sobre os estabelecimentos prisionais, mas o seu art. 1º, único dispositivo dessa lei que disciplina a proibição da revista íntima, não menciona “estabelecimentos prisionais”. Para piorar, fala apenas em “funcionárias” e “clientes”, não mencionando “visitas”, razão pela qual muitos Juízes – que se apegam à legislação infraconstitucional e se esquecem das disposições constitucionais – continuam admitindo as revistas íntimas nos presídios. Considerando a atual quantidade absurda de presos e o número elevado de visitas que eles recebem, quando falaremos sobre a revista íntima e resolveremos esse problema para as milhares de pessoas que se submetem a esse procedimento vexatório?

A execução penal precisa ser objeto de debates, ainda que não gere votos, audiência ou repercussão, salvo em caso de tragédias e massacres.